A avó Maria

Artigo de Gilberto Borghi e Chiara Gatti – messaggero di sant’antonio

A avó Maria: ultimamente, a sua imagem voltava a pairar na sua mente, aflorando nos olhos lacrimejantes que o traíam, mas, felizmente, com a máscara era mais fácil disfarçar a emoção.

Andava no quarto ano da Faculdade e, finalmente, as aulas tinham voltado a ser presenciais. Tinha alugado, com dois amigos, um novo apartamento em Bolonha e a sua vida de estudante pré-pandemia tinha aparentemente voltado a ser como dantes.

“Aparentemente”! Pois já não sentia o mesmo que dois anos antes, quando todos se tinham trancado em casa e a vida parecia ter parado. Ou melhor, tinha continuado de forma diferente, com aulas online, longos chat com os amigos, aperitivos virtuais, relações cotovelo-a-cotovelo com os pais e a irmã, que se tornaram demasiado caricatas para o seu gostos.

E depois a avó, que vivia no apartamento abaixo deles, autónoma, apesar dos seus 80 e mais anos, sempre cheia de biscoitos frescos e histórias de um tempo passado, repetidas mil vezes, sempre a falar do avô, já falecido há anos, e de todas as pagelas de santos que tinha coladas no armário.

Os seus santos e a sua fé inabalável, a Missa diária à qual nunca faltava e que em criança também ele frequentava, porque se tinha tornado parte das suas tardes: parque, gelado e Missa na paróquia. Às vezes era só uma curta visita para acender uma vela… sempre diante da imagem de Santo António! Na verdade, a avó Maria era muito devota do Santo e era surpreendente notar como conhecia muitos episódios e milagres relacionados com a sua vida.

No entanto, na sua coleção, havia uma pagela que lhe parecia destacar-se das outras, porque, na verdade, era a explicação da mesma imagem que estavam a ver. Santo António estava retratado com o Menino Jesus nos braços, o que sempre lhe parecera um pouco estranho, dado que o Santo não tinha vivido no tempo de Jesus, “mas mais de mil anos depois”, como disse a sua avó quando começou a contar-lhe a história.

Tendo um rico cavalheiro hospedado o Santo em sua casa, um dia, involuntariamente, através da porta entreaberta viu o Santo que segurava o Menino Jesus nos braços: uma criança real e bonita, com quem António falava e que abraçava carinhosamente. Foi o próprio Jesus a avisar o Santo de que tinham sido vistos pelo homem, por isso António, em seguida, pediu ao homem para não revelar nada sobre aquele estranho acontecimento. E, na verdade, o cavalheiro só depois da morte do Santo viria a revelar este episódio.

A sua avó estava felicíssima por poder explicar-lhe a razão daquele abraço que tinham diante dos olhos e, com o tempo, ele também começou a achá-lo natural.

Depois aconteceram muitas coisas: ele tinha ido para a catequese, recebeu todos os sacramentos próprios para a sua idade, mas, a pouco e pouco, tanto para ele como para os amigos, a porta da igreja tornou-se alheia… já não sentia nada que o atraísse. Ou, melhor, de vez em quando pensava em Deus, mas visitá-Lo, isso parecia-lhe coisa de crianças.

Agora, porém, começava a sentir um vazio que não conseguia explicar e não podia ser motivado apenas pelo facto de a COVID lhe ter roubado a sua avó Maria. Ela tinha adoecido e, poucos dias depois, o terrível mal levou-a para o hospital da cidade, enquanto os familiares tiveram de ficar em casa à espera de notícias pelo telefone. Só foi possível uma única vídeo chamada à qual ele, demasiado angustiado, não quis assistir e, depois, por volta da meia-noite, chegou a notícia que a avó Maria acabara de falecer.

Ele tinha passado muitas horas no apartamento da avó, no meio das suas coisas agora abandonadas, mas onde ainda se respirava a presença dela. Com a desculpa de que lá podia concentrar-se melhor para estudar, passava lá longas horas, sentia-a mais perto e a dor era menos forte. No entanto, o vazio que sentia por dentro parecia inexplicável…. Perguntava-se: Afinal, com COVID ou sem COVID, é natural, que depois dos 80 anos, os avós possam morrer! Parecia-lhe, no entanto, que a forma como a sua avó Maria o amava, era algo que tinha perdido para sempre. É verdade que tinha muitos amigos e tinha ficado com o grande amor dos pais, mas começou a entender que o amor não funcionava como algo que pudesse preencher caixas vazias, como se uma compensasse a outra.

Jesus faz-se presente em todas aquelas situações em que o humano é valorizado, onde há paz, perdão, fraternidade, diálogo, compreensão. Ilustração de Gabriele Sanzo.
Jesus faz-se presente em todas aquelas situações em que o humano é valorizado, onde há paz, perdão, fraternidade, diálogo, compreensão. Ilustração de Gabriele Sanzo.

O carinho da avó Maria era diferente daquele dos seus pais, ou do calor que sentia com a rapariga de quem gostava, ou da compreensão que lhe inspirava o seu melhor amigo, ou do sorriso sempre presente da mãe.

Reconhecia a sorte que tinha por tanto carinho que tinha recebido e continuava a receber todos os dias, das mais variadas formas… No entanto, não tinha sossego e perguntava a si mesmo: será devido à morte que, pela primeira vez, apareceu na minha vida?

Ele sabia que, neste mundo, nascemos e morremos; mas foi precisamente a forma como a avó o amava que o deixava sem respiração, como se estivesse a afogar-se, quando pensava nisso.

Lembrava-se como ela o chamava Tiago, − enquanto para os amigos era apenas “Ago” − porque gostava demasiado do seu nome e mantinha-o na boca durante muito tempo; o facto de estar sempre disponível, mesmo quando ele era malcriado e a chamava de velha e aborrecida; o facto de o amar incondicionalmente, não porque era simpático e bom, mas apenas porque era ele. Este espaço aconchegado tinha desaparecido e não conseguia descobrir aonde poderia estar no seu coração.

Então, uma manhã, quando por falta de aquecimento na escola não houve aulas, voltando para casa, passou, quase por engano, por uma rua onde havia uma igreja em que já tinha reparado várias vezes e dado que a porta estava semiaberta, entrou. A Missa tinha acabado e havia a procissão de saída das velhas mulheres e dos poucos adultos que tinham participado. As luzes tinham sido apagadas e havia um forte cheiro de velas gastas; sentou-se no último banco, quando na igreja já não havia ninguém, exceto o velho padre que, atrás do altar, arrumava as últimas coisas. Estava frio, mas gostava daquela penumbra: tinha a sensação de que, naquele lugar, o seu vazio interior encontrava finalmente um lar.

Deus estava lá, no sacrário, como sempre, apesar de se ter esquecido durante anos: sentia-se um pouco como aquele homem que tinha hospedado Santo António e tinha assistido aos abraços entre ele e o Menino Jesus. Afinal, estar ao pé da avó Maria a admirar a sua fé simples e o seu amor imenso, não era a mesma coisa?

Se calhar, também ele teria testemunhado a uma “visão” privilegiada: a de uma mulher humilde que, ao longo de toda a sua vida, amou os seus entes queridos, precisamente porque amava tanto a Deus. Enfim, estar com o seu Tiago não era outra coisa senão mimá-lo como o Santo fizera com o Menino Jesus.

Este pensamento que lhe chegara de forma inesperada, de repente, parecia credível, muito credível e encheu-lhe o coração de calor, como já não acontecia há muito tempo. Talvez que começar a “estar” de novo com Jesus não fosse, afinal, uma coisa assim tão complicada e, desta vez, seria ele a mimar o mesmo Jesus.

Foto da capa: Visão de Santo António (1999) de Romeo Sandrin. Caminho, Evangelho e Caridade. Santuário da Nogueira, Camposampiero, Pádua. Foto Nicola Bianchi / Arquivo MSA.

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