Nas palavras do papa Francisco, para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum. Ou seja, com o coração aberto ao mundo e com a amizade social, é possível uma política melhor que realize o melhor bem para todas as pessoas.
Desenvolvendo conceitos em chave teológica, mas de forma muito prática e acessível Francisco explana o seu pensamento sobre o que deverão ser as políticas públicas e qual o papel dos decisores políticos. Numa primeira leitura parece-me que podemos dividir o texto no qual desenvolve esta reflexão em três partes: na primeira parte centra-se nos conceitos de Populismos e Liberalismos, Valores e limites das visões liberais e no Poder Internacional (155-175); na segunda parte o seu objetivo é dar nota da importância da Caridade social e política, do Amor político e do Amor eficaz, os Sacrifícios do amor e o Amor que integra e reúne (176-192). A terceira e última parte deste capítulo, Mais fecundidade do que resultados é como que uma exortação a quem ocupa cargos públicos para zelar pelo bem comum (193-197).
Numa muito breve e telegráfica análise do capítulo V da encíclica Fratelli Tutti realço algumas das passagem que me parecem mais significativas, o que não dispensa uma leitura integral do texto para a sua cabal compreensão. Começarei por realçar a dificuldade, segundo o Papa Francisco, de definir populista ou não-populista. Para além de já não ser possível que alguém manifeste a sua opinião sem tentarem classificá-lo num desses polos: umas vezes para o desacreditar injustamente, outras para o exaltar desmedidamente (156). Para o Papa a realidade social a que se designa por povo não é uma categoria lógica, nem uma categoria mística, no sentido de que tudo o que o povo faz é bom, ou no sentido de que o povo seja uma entidade angelical. É uma categoria mítica (158). Existem líderes populares que instrumentalizam a cultura do povo sob qualquer sinal ideológico, ao serviço do seu projeto pessoal e da sua permanência no poder (159).
Francisco assinala que a grande questão é o trabalho porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal e partilhar dons (162). Por sua vez, refere que a especulação financeira do neoliberalismo, tendo a ganância do lucro fácil como objetivo fundamental, continua a fazer estragos. O mercado não pode cumprir plenamente a própria função económica (168).
Sobre o poder internacional o papa Francisco reconhece a perda de poder dos Estados sobretudo porque a dimensão económico-financeira, de carácter transnacional, tende a prevalecer sobre a política (172). Por forma a assegurar o bem comum mundial lembra que é necessária uma reforma quer das Nações Unidas quer da arquitetura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações (173).
Reconhecer todo o ser humano como um irmão ou uma irmã e procurar uma amizade social que integre a todos, não é uma mera utopia, escreve o Papa quando se refere ao amor político (180). Mais à frente, ao falar de amor eficaz especifica: a caridade está no centro de toda a vida social sadia e aberta. É muito mais que um sentimentalismo subjetivo (184).
A questão dos direitos humanos e a urgência de se encontrar soluções sempre que estes sejam postos em causa implica que os decisores de política pública se empenhem e sejam chamados a cuidar da fragilidade dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura, luta e fecundidade, no meio de um modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à cultura do descarte. E, continua, as maiores preocupações de um político não deveriam ser as causadas por uma descida nas sondagens, mas por não encontrar uma solução eficaz para o fenómeno da exclusão social e económica, com as suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo, incluindo a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e criminalidade internacional globalizada (188).
Já no final, o Papa deixa um sinal de esperança ao realçar que a política é mais nobre do que a aparência, o marketing, as diferentes formas de maquilhagem mediática (197).
Finalmente, julgo oportuno referir que o papa Francisco se apoiou maioritariamente em documentos da sua autoria. Outros autores citados foram António Spadaro, Paul Ricoeur, Bento XVI, Conselho Pontifício “Justiça e Paz”, São João Paulo II, Conferência dos Bispos de França, Conferência Episcopal Portuguesa, Pio XI, São Paulo VI e René Voillaume.
Foto da capa: O Bom Samaritano, óleo sobre tela, Giambattista Langetti (1635-1676),
Museu das Belas Artes de Lyon, França, Commons Wikimedia.