Caminhos de purificação

O Papa Francisco vai percorrendo o doloroso caminho da purificação da Igreja. “Foi ele, como escreve o teólogo J. Maria Castillo, o primeiro papa, na longa história da Igreja, que teve a coragem, a liberdade e a sinceridade de reconhecer publicamente que houve (e há) clérigos que cometeram e continuam a cometer abusos de pederastia”.

Como foi possível que homens de Igreja, pastores à imagem do Bom Pastor, se transformassem em lobos predadores do rebanho a eles confiado? Como pode a Evangelização avançar sem uma profunda conversão dos pastores e das estruturas que geraram e permitiram esta monstruosidade?

Tolerância zero

Quando se torna clara uma série de ataques ao Papa Francisco a partir da luta sem tréguas por uma Igreja mais evangélica, sobretudo no tocante aos abusos sexuais, é bom olharmos o caminho percorrido desde o início do pontificado:

  • Em 5 de Abril, na sua primeira audiência, insiste em que a Congregação para a Doutrina da Fé atue com decisão nos casos de abusos sexuais.
  • Em 2014, cria a Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores.
  • Em julho desse mesmo ano, celebra a eucaristia com vítimas de pedofilia e pede perdão por esses graves crimes.
  • Em novembro de 2014, cria um tribunal especial junto da Congregação para a Doutrina da Fé para acelerar os processos de pederastia.
  • Em 2016, publica o “Motu proprio” Como uma Mãe Amorosa e determina que os bispos que, por “negligência ou omissão”, causam “danos graves a outra pessoa na comunidade” podem ser expulsos.
  • Em 2017, pede a todos os bispos que “protejam a vida das nossas crianças para que estes crimes não mais se repitam” e para que se estabeleça “clara e honestamente a tolerância Zero”.
  • Em 2018, convoca os bispos do Chile, depois de ter sido mal informado no caso de Fernando Barros encobrir o sacerdote Karidima. Todos os bispos apresentam a sua demissão.
  • Em abril e junho, reúne-se com vítimas chilenas de abuso.
  • Em junho desse ano, aceita a renúncia de cinco bispos chilenos e, em outubro, retirará o exercício das ordens a dois bispos chilenos.
  • Em julho, aceita a demissão de McCarrik que posteriormente expulsa do sacerdócio.
  • Depois da informação do Grande Júri da Califórnia com a documentação de 300 supostos casos de abuso, escreve uma carta ao povo de Deus onde admite que “olhando para o passado, nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e para procurar e reparar o dano causado”.
  • Finalmente, convoca, para fevereiro de 2019, uma cimeira com todos os Presidentes das Comissões Episcopais Nacionais.

Colocar a Igreja do lado das vítimas

Uma menina segura um cartaz durante uma marcha à luz das velas para protestar contra o estupro e assassinato de uma menina de oito anos em Kathua, em Bhopal, Índia, 16 de abril de 2018. EPA / SANJEEV GUPTA
Uma menina segura um cartaz durante uma marcha à luz das velas para protestar contra o estupro e assassinato de uma menina de oito anos em Kathua, em Bhopal, Índia, 16 de abril de 2018. EPA / SANJEEV GUPTA

Esta sucessão de intervenções do Papa ajudam-nos a perceber a necessidade de uma mudança radical da Igreja em relação a este “cancro com metástases por todos os lados”.

Colocar a Igreja do lado das vítimas e não dos prevaricadores é uma mudança de paradigma no agir da Igreja, em que o poder muitas vezes não foi um serviço, mas um domínio e opressão dos mais pequeninos do Reino. Nesse sentido, a questão dos abusos por homens de Igreja não pode continuar a ser escondida e ocultada em nome do prestígio da Igreja. A transparência passa ainda pela denúncia aos tribunais civis que devem investigar e julgar os crimes.

É evidente que esta ação de denúncia não resolve o problema se não houver “uma verdadeira purificação” e um renovado sentido de santidade nos pastores. As Conferências Episcopais de cada país são responsáveis por aplicar as diferentes normas e por não mais permitir que o silêncio cubra os prevaricadores.

Termino com algumas notas da intervenção do P. Hans Zollner, membro da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores, na Universidade de Comillas, no dia 6 de março último. Foi um discurso duro e sobretudo um discurso que desafia a Igreja a tornar-se sinal de esperança para os mais pequeninos, uma Igreja que, diante da perda de credibilidade, não se entrincheira em gueto, mas avança com medidas eficazes de mudança.

Nenhuma outra instituição está a abrir caminhos tão sérios de prevenção, mas não somos capazes de comunicá-lo ao mundo, assim como não somos capazes de o comunicar entre nós” e isso torna-se patente, por exemplo, no caso da Conferência Episcopal  Polaca que “está a cometer os mesmos erros que os bispos alemães cometeram há nove anos, quando estalaram os casos de abuso no país. É necessário que “as vítimas estejam no centro e que encontrem empatia e proximidade”, pois muitas vezes as pessoas não encontram o rosto misericordioso que proclama o evangelho, mas encontram “uma porta fechada”. A Igreja não pode “esperar que passe a tempestade”, mas deve ser a “instituição que tem, como sua máxima, a proteção de menores.

Uma atitude assim “mudaria a opinião das pessoas acerca da Igreja e seria, além disso, uma forma de escutar o que Deus quer de nós e que nos está a pedir neste tempo”.

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