Colonialismos: antigos, recentes, políticos, económicos

Segundo o relativismo que os valores implicam, não se deve ajuizar historicamente o que foram os atos culturais do passado; todavia, segundo os princípios, que são objetivos e transcendem espaço, tempo e cultura, toda a ação humana de sempre, como coisa cultural, é passível de ser julgada, precisamente à luz de tais princípios. Assim, do colonialismo.

A matriz de possibilidade de qualquer forma de colonialismo é a categoria antropológica do etnocentrismo: não se coloniza um povo que se considera da “nossa igualha”, isto é, que percebemos e aceitamos como antropologicamente semelhante a nós. Coloniza-se sempre o “inferior”.

Coloniza-se esse que se quer que fique sob a nossa alçada política, sob o nosso poder. As razões que para tal se invocam são todas impertinentes: não se coloniza para civilizar ou para evangelizar, por exemplo. Se se quisesse mesmo realizar qualquer uma destas ações, não seria a um processo político como a colonização que se recorreria, mas a um processo de relação comunitária, isto é, em que é o bem-comum que impera, não a vontade de uns quaisquer – mais poderosos – sobre outros.

Desde os mais antigos relatos historiograficamente aproveitáveis da ação da humanidade, que encontramos partes desta que se apoderam, de modos vários, de bens ligados a territórios que pertenciam a outros seres humanos.

O simples apoderar-se de bens móveis de outrem corresponde a um furto, a um roubo, se houver violência (mas quando é que não a há, nestes casos?); o apoderar-se de bens de alguém, bens que incluam o lugar de morada próprio de quem assim fica destituído de tais bens constitui o paradigma do que é o ato de colonização.

Não, há, no entanto, colonização de territórios em que não há seres humanos? Houve e há. Sob pena de equívoco, estes movimentos humanos não devem ser designados como “colonização”, tratando-se efetivamente de atos de descoberta e ocupação de terras humanamente desabitadas. A questão do roubo de bens de uns seres humanos a outros não se põe neste caso.

Há quem afirme que alguns dos atos de colonização de que há memória historiográfica foram bons, no sentido em que fizeram progredir os povos que assim foram colonizados. No entanto, não seria preferível obter tais eventuais resultados de “progresso” através de meios politicamente não-violentos como o comércio justo, a cooperação multilateral vária e benévola, sem que qualquer ente humano se impusesse violentamente sobre outro, restringindo-lhe ou retirando-lhe direitos políticos, nomeadamente o direito à posse do espaço, da terra, quiçá, da liberdade, sem mais? A resposta parece evidente.

Grande parte da historiografia memorial da história humana nada mais é do que um triste relato de violência concupiscente em que, por miséria económica ou por miséria moral, uns seres humanos violentam outros seres humanos a fim de, de algum modo, os escravizar, de, em último caso, os aniquilar, a fim de ficar com os seus bens, com a sua terra: lembremo-nos do aviltante “espaço vital”, de Hitler, e das dezenas de milhão de vítimas humanas que tal projeto de neo-colonização do mundo implicou.

O colonialismo do deus-dinheiro. Funcionária conta as notas numa agencia bancária de Jiangsu, na China, Foto EPA / Xu Jinbai.
O colonialismo do deus-dinheiro. Funcionária conta as notas numa agencia bancária de Jiangsu, na China, Foto EPA / Xu Jinbai.

Os novos colonizadores são os oligarcas do dinheiro

O hodierno observador da coisa política poderá pensar que o colonialismo foi coisa do passado, de gentes pouco esclarecidas, sendo que, nos dias de hoje, já não ocorrem semelhantes dislates económicos, políticos, antropológicos, em última análise.

Nada mais errado: o colonialismo dos dias que são os nossos opera fundamentalmente através do controlo das mentes, através da manipulação dos instrumentos culturais, constituindo o que se poderá designar como “colonialismo mental global”. É um colonialismo impiedoso que se derrama no mundo das mentes como se espalha uma mancha de óleo sobre água, um tapete de fungos sobre o chão de uma cave, um cancro num organismo.

Talvez esta última e terrível imagem seja a que melhor diz da forma como hodiernamente se procede à colonização do espírito humano: tendo destruído o sentido humano apoiado em princípios, objetivos e universais, o poder dos que controlam realmente o mundo serve-se do mundo cultural, isto é, de valores para dominar as pessoas, relativizando tudo aos valores que interessam à oligarquia no poder, assim subjugando as pessoas ao interesse do parasita que as invade.

Não é com velozes cavalos ou tanques de guerra, com trirremes ou naus, com aviões e suas bombas, com falsos ou genuínos sacerdotes que hoje se avança na colonização, mas com o inconsútil e omnipresente novo-deus, o dinheiro, isto é, o poder simbólico de obter felicidade instantânea, assumida como efémera, sempre renovável, como é, através do poder de aquisição do novo-deus.

Os novos colonizadores são os oligarcas do dinheiro e seus sabujos e os novos colonizados são o mundo todo, os novos escravos, já não de grilhetas no corpo, mas a quem os neurónios foram transformados em transmissores da “voz do dono”.

O perigo do cristianismo que é digno do nome, quer dizer, que segue a Cristo, reside em que proclama que não há outro senhor que não Deus e que o mundo não é uma sua colónia, mas o seu jardim muito amado. Por isso, o cristianismo tem de ser abatido, para que o mundo se transforme na grande colónia de César e da sua moeda com a sua cara.

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