14 de outubro de 2018, Praça de São Pedro, em Roma, uma enorme multidão celebra a proclamação de sete ‘novos’ santos (mais exatamente dois santos e cinco beatos).
Santos:
Paulo VI (1897-1978) e
Óscar Romero (1917-1980).
Beatos:
Francisco Spinelli (1853-1913),
Vicente Romano (1751-1831),
Maria Catarina Kasper (1820-1898),
Nazária Inácia (1889-1943),
Núncio Sulprizio (1817-1836).
Um rápido olhar pelo percurso das suas vidas permite-nos destacar traços comuns: o seguimento de Jesus, o anúncio do Evangelho, o serviço aos mais pobres. Afinal aqueles traços que nunca podem faltar quando estamos perante o testemunho da experiência cristã, tenha ela os contornos que tiver.

Paulo VI e Óscar Romero
Dois dos nomes soam certamente mais forte aos nossos ouvidos: Paulo VI e Óscar Romero. Aos dois o acontecimento do Concílio Vaticano II (anúncio, preparação, sessões plenárias, documentos, receção) acabou por se lhes impor, ‘convidando-os’ a cruzar novas fronteiras.
De maneira distinta, mas com igual paixão, ousaram cruzar essas linhas que tantas vezes nos separam da vida concreta das pessoas concretas. Assim o perceberam como desafio lançado à Igreja e, portanto, como desafio lançado a cada um no exercício do seu ministério.
E os dois cruzaram essas linhas e, muitas vezes no meio de dúvidas e incertezas, foram impulsionando a Igreja a ousar entender-se como estando ao serviço da humanidade e, consequentemente, a ter a coragem de pisar e viver noutros territórios aos quais não estava muito habituada.
Na homília da celebração eucarística, o papa Francisco, comentando o evangelho, como que nos aponta as linhas dessas fronteiras.
Que devo fazer para ter…?
Particularmente, o Evangelho convida-nos a ir ao encontro do Senhor, a exemplo daquele «alguém» que «correu para Ele» (cf. Mc10, 17). Podemo-nos identificar com aquele homem, de quem o texto não diz o nome, parecendo sugerir-nos que pode representar cada um de nós. Ele pergunta a Jesus como deve fazer para «ter em herança a vida eterna» (10, 17). Pede vida para sempre, vida em plenitude; e qual de nós não a quereria? Mas pede-a – notemos bem – como uma herança a possuir, como um bem a alcançar, a conquistar com as suas forças. De facto, para possuir este bem, observou os mandamentos desde a infância e, para alcançar tal objetivo, está disposto a observar ainda outros; por isso, pergunta: “Que devo fazer para ter…?”
Cumprir os mandamentos ou ousar viver uma história de amor
A maneira como formulamos a pergunta e o modo como lhe respondemos certamente que acaba por influenciar os caminhos a seguir e os tais territórios a habitar. Por isso Jesus, na sua resposta, muda a perspetiva e aponta outras direções:
A resposta de Jesus mexe com ele. O Senhor fixa nele o olhar e ama-o (cf. 10, 21). Jesus muda-lhe a perspetiva: passar dos preceitos observados para obter recompensas ao amor gratuito e total. Aquele homem falava em termos de procura e oferta; Jesus propõe-lhe uma história de amor. Pede-lhe para passar da observância das leis ao dom de si mesmo, do trabalhar para si ao estar com Ele. E faz-lhe uma proposta «cortante» de vida: «Vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres (…), vem e segue-Me» (10, 21).
E Jesus diz também a ti: «Vem e segue-Me». Vem: não fiques parado, porque não basta não fazer nada de mal para ser de Jesus. Segue-Me: não vás atrás de Jesus só quando te apetece, mas procura-O todos os dias; não te contentes com observar preceitos, dar esmolas e recitar algumas orações: encontra n’Ele o Deus que sempre te ama, o sentido da tua vida, a força para te entregares.
Há novas fronteiras que não podemos deixar de cruzar

São estas as fronteiras que temos hoje de ousar cruzar enquanto comunidade eclesial. No momento histórico que estamos a viver, tem de ficar absolutamente claro que a Igreja opta por uma história de amor aos outros e ao seu Senhor (não a si mesma), deixando de estar centrada em si (trabalhar para si) para estar com o seu Senhor ao serviço de todos, especialmente dos mais pobres e desprotegidos. Também para a Igreja é dirigida a proposta ‘cortante’ de vida: “vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres (…), vem e segue-me”.
Certamente que neste caminho vão surgir dúvidas. Certamente que não vamos acertar sempre. Porventura teremos de reconhecer que nos enganamos, tendo, pois, de refazer o caminho. É assim com todo o caminhar que não quer ficar confinado a percorrer sempre as mesmas estradas (e mesmo nessas podem surgir tantos imprevistos). O que me parece cada vez mais evidente hoje é que há novas fronteiras que não podemos deixar de ousar cruzar.
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