Deus da prosperidade ou da libertação

Para começo de conversa, uma notícia. Em 1974, A Organização Mundial da Saúde convidou economistas do Banco Mundial para avaliar os resultados de um programa que impediu a cegueira de milhares de africanos pobres provocada pela picada de insetos.

Resultado:
Na opinião do grupo da ciência económica, a análise de custo-benefício foi “inconclusiva”. Os beneficiados eram tão pobres que preservar a sua visão tinha baixo impacto monetário.

Assim nos informa o economista Luiz Gonzaga Belluzzo (Revista Carta Capital, 24/07/2018).

O que Jesus Cristo diria a respeito da avaliação desses doutores em ciência económica e totalmente incompetentes em humanidade?
E o que os cristãos, discípulos de Cristo, o que têm a dizer a respeito?
Ao iniciar a sua ação pública, na sinagoga de Nazaré, Jesus fez a declaração pública de seus princípios e intenções:

O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar a boa-nova aos pobres. Enviou-me para proclamar a liberdade aos presos e recuperar a vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor.

(Lc 4, 18-19)

Ao longo dos séculos, a “religião” muitas vezes se sobrepôs ao Evangelho e justificou atitudes e comportamentos que contradiziam o manifesto do Mestre. Apareceram “teologias” − mais ideologias do que “discurso de fé” − que admitiam perseguições e até a escravidão. Enfim, ignorou-se que o Evangelho é “boa nova” de “libertação”.

A economia que mata

Hoje, o capitalismo impõe a visão do mundo e os valores seguidos pela “modernidade” e a “pós-modernidade”. Além de ser um sistema económico, o capitalismo é uma ideologia, um conjunto de representações e ideias por meio das quais se justifica a realidade social. Afinal, rico é rico porque merece; pobre, por sua vez, “merece” ser pobre. Há quem diga, até, que as diferenças económicas dependem dos humores de Deus.

Economistas denunciam que uma pequena elite absorve a riqueza do mundo: 1% dos mais ricos da população mundial possuem tanta riqueza quanto os restantes habitantes da Terra e as oito pessoas mais ricas do mundo possuem tanta riqueza quanto a metade mais pobre: três bilhões e meio de pessoas.

O lucro tornou-se o deus ao qual se sacrificam as pessoas: uma forma de culto que nada tem a dever aos sacrifícios cruentos oferecidos a divindades sedentas de sangue. “A economia que se pratica mata mais pessoas que todos os exércitos do mundo juntos”, diz papa Francisco.

A teologia da prosperidade

Há “cristãos” que adotam a chamada Teologia da Prosperidade, produto do capitalismo e da psicologia do sucesso, algo típico do nosso tempo. Buscando textos isolados da Bíblia, as promessas de Deus são vistas em termos financeiros. Deus é o gerente dos benefícios/serviços que o fiel, o cliente, compra. Quem não recebe o que pediu é culpado, porque não “paga” o suficiente: em quantidade de “fé” e em quantidade de dinheiro (depositado em igrejas).

As verdadeiras causas económicas e sociais da pobreza são silenciadas; não se procura a causa profunda, o egoísmo e a avareza. Na oração é adotado o pensamento mágico: a repetição de fórmulas impõe a Deus um comportamento. É a paganização do cristianismo: o que importa é a oferenda na conta bancaria de Deus, que é a da igreja que adota essa teologia. As obras morais são secundárias; não se fala em “conversão” da pessoa.
Um pequeno comentário. Jesus Cristo não era rico: por ventura faltava-lhe fé?

A teologia do povo de Deus

Cheias que devastaram a região de Kerala, na Índia. Caritas Antoniana.
Cheias que devastaram a região de Kerala, na Índia. Caritas Antoniana.

Há uma outra maneira de ver as coisas. Encontramos a Teologia do Povo, que sublinha a importância da cultura, da religiosidade e da mística popular e afirma que os seus intérpretes mais autênticos e fiéis são os pobres, com sua espiritualidade tradicional e a sensibilidade pela justiça. É o que inspira o Papa Francisco ao dirigir-se constantemente ao “povo de Deus”. A reflexão teológica e pastoral deve ter como base de interpretação a opção preferencial pelos pobres. É preciso partir disso para entender o Papa que quer “uma Igreja pobre e para os pobres” e denuncia a mentalidade para a qual “é uma tragédia se os bancos caem, mas se as famílias não têm nada para comer, então não se faz nada”.

Essa Teologia do Povo anda de braço dado com a chamada Teologia da Libertação, cuja premissa é a opção preferencial pelos pobres, exigência do Evangelho. Face à pobreza e à miséria, a primeira reação é a de Jesus que “ao ver as multidões, teve compaixão delas, porque estavam aflitas e desamparadas, como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 36). A Teologia da Libertação parte da realidade da pobreza e da exclusão; a doutrina, a teologia, documentos pontifícios ou textos bíblicos possuem a função de iluminação, com o auxílio das ciências humanas e sociais.

Concluindo: não se trata de ódio à riqueza, aos bens de que precisamos, instrumentos de sobrevivência. O absurdo é escravizar as pessoas. Ao fazer do lucro a finalidade principal da economia, a pobreza dominará grande parte do planeta; nas relações internacionais a violência dos “fortes” imporá a exploração dos mais fracos; assistiremos, então, à tragédia das migrações e à destruição do meio ambiente.

Por isso, não é simplesmente a esmola que resolve o problema da pobreza, mas o compromisso de todas as “pessoas de boa vontade” para implantar a “justiça de Deus”.

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