Eu, tu, nós: quem somos na web?

Gilberto Borghi e Chiara Gatti, in messaggero di Sant’Antonio, giugno 2022

Reflexões sobre o mundo social e as redes.
Se Santo António morresse hoje,
os jovens lançariam a notícia nas redes sociais
e em pouco tempo tornar-se-ia viral.

A mais antiga biografia de Santo António conta-nos como a notícia da sua morte foi dada por um grupo de jovens que a espalharam gritando: “O padre santo morreu, morreu Santo António!”. E isto contra a vontade dos franciscanos, que não queriam espalhar a notícia para evitar ajuntamentos devido à sua fama e acautelar lutas entre as facções da cidade para ter a custódia do corpo do Santo, como forma de privilégio e de poder.

Entretanto, aqueles jovens gritavam bem alto uma notícia verdadeira, um facto de que tinham tido conhecimento em primeira mão, não se sabe bem como e revelavam-no sem a prudência e o calculismo, próprios dos adultos. Eis o ponto de partida para a nossa reflexão sobre a relação entre os jovens e a sua forma de comunicar, onde assumem papel relevante as redes sociais.

A primeira consideração refere-se à forma como a realidade e, portanto, a verdade, é de tal modo distorcida, fragmentada e alterada nas redes sociais, que, muitas vezes, já pouco tem a ver com a realidade. É o caso de Laura que, desde criança, adora ballet, apesar da sua constituição física não ser adequada para voar sobre as pontas dos pés: Laura é musculada e atlética; não é que seja gordinha, mas tem um corpo robusto demais para o que gostaria de fazer. Durante as aulas de dança e os ensaios, fica sempre frustrada, porque enquanto as suas companheiras voam como libélulas e ela fica sempre em último em termos de performance e habilidade. Começa então a criar vídeos no TikTok, onde, a partir dos originais feitos nas aulas, deforma a sua imagem, dilui as pernas, as ancas, a cintura… encolhe os seios e alonga o pescoço.

Os seus vídeos tornam-se virais, porque os comenta com leveza e simpatia, valorizando o seu desempenho. Gosta tanto de si mesma nesses vídeos que, quando se ao olha ao espelho na barra do salão da escola, já não vê a sua imagem desajeitada, mas a dos seus vídeos: que sucesso, quantos admiradores! Quem é, então, a Laura, podemos perguntar. Ainda consegue perceber a sua imagem real, a verdadeira ou a realidade coincide com a verdade que criou para si própria?

Os jovens que anunciaram a morte de António fizeram-no com o corpo, com a voz, correndo pela cidade, espalhando palavras. Hoje, pelo contrário, o corpo e o espaço físico parecem ter pouco a ver com a forma como os jovens se relacionam, já que estes escolhem as redes sociais como o lugar privilegiado para se divertirem e estarem juntos. Chegamos ao paradoxo de formas de comunicação híbrida, onde o telemóvel é a única possibilidade de relacionamento com os pares. É o caso de um grupo de rapazes e raparigas adolescentes, sentados no passeio, frente a um supermercado, todos a teclar nos telemóveis, num evidente silêncio entre eles. A certa altura, uma das miúdas dá um pulo e vira-se para um rapaz ao seu lado com um berro: “Idiota!”. E vai-se embora. A amiga, solidária, levanta-se também e diz ao rapaz: “Podias evitar escrever o que escreveste!”. Ou seja estavam juntos no mesmo local a conversar pelo telemóvel, evitando o confronto pessoal direto, despertado apenas no final pela forte reação de raiva da rapariga. Então perguntamo-nos: que presença estes jovens sentem mais? Como é que o seu corpo se expressa, quando a palavra é mediada por um instrumento virtual? Em que corpo vivem, quando se relacionam?

Se a realidade virtual se apodera cada vez mais da realidade objetiva, será que ainda é possível vivenciar a plenitude do contacto físico e o calor da carícia. Se uma amizade nasce online e se expressa nos limites e margens que a virtualidade permite, que plenitude um jovem pode sentir e que intensidade experimenta nas relações criadas desta forma.

É o caso de Samuel, cuja mãe, após o primeiro confinamento, o “obriga” a acompanhá-la até à cidade histórica de Matera (no sul da Itália) onde, à noite, vão visitar os “Sassi” iluminados (o centro histórico de casas gruta escavadas na pedra).

Por volta da meia-noite, ouvem uma esplêndida música de piano que se espalha por todo o lado, até perceberem que há realmente uma rapariga a tocar. Quando termina, Samuel aproxima-se dela e cumprimenta-a trocando algumas palavras, enquanto a mãe, à distância, não entende o que se passa. Depois a mãe pede explicações e Samuel, com calma, responde: “Conheço-a, é minha amiga no Instagram! Ela estava à minha espera. Chama-se Luísa, fiz um vídeo para ela!”. A mãe não percebe: “Estivemos fechados em casa durante meses, como foi possível fazer uma amizade assim? Parecia que se viam de novo depois de muito tempo… Não consigo entender-te! Então, amanhã antes de partirmos, vão-se encontrar de novo?”. Samuel bufa, para ele a conversa acabou: “Mãe, vamos para o hotel dormir, estou cansado! Porque deveria vê-la de novo, amanhã? Já nos vimos… não comeces a magicar coisas!”.

O que é a amizade para o Samuel? A mãe está a anos-luz da forma como ele vive a sua relação com Luísa, que parece depender muito pouco do contacto físico e, no entanto, Samuel está deveras interessado nela, apesar de ela viver em Matera e ele em Bolonha. Mas isso não parece ser um problema.

Ilustração de Alessia Bogdanich.
Ilustração de Alessia Bogdanich.

A questão reside precisamente na relação entre realidade, verdade e viralidade.

Hoje em dia, uma coisa é considerada tanto mais verdadeira, quanto mais se espalha.

Na verdade, em todos os exemplos que vimos, existem planos que se sobrepõem ou se substituem uns aos outros, trocando de lugar como num jogo. Precisamente aqui reside o maior risco: perder-se numa comunicação amplificada, deformada, partilhada e recuperada sem qualquer possibilidade de controlo sobre a sua propagação. Assim, através desta forma de se comunicarem e de comunicar, os jovens confundem, frequentemente, os limites não só exteriores, como interiores da própria pessoa.

Gostaríamos de perguntar à Laura, ao Samuel e à rapariga “sem nome” em frente ao supermercado: “o que é que vocês acham que são verdadeiramente? E como é que teriam comunicado, nas redes sociais, a morte de Santo António?”.

Foto da capa: Morreu o Santo. Funeral de Santo António – detalhe do fresco (1513), de Girolamo Tessari, conhecido como Dal Santo. Pádua, Sala das Reuniões da Scoletta del Santo. Foto de Ghiraldini Giuliano – fotoghirag@libero.it – gentilmente cedida pela Veneranda Arca. À direita: Ilustração de Alessia Bogdanich.

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