História do Repouso

O historiador francês Alain Corbin (Normandia, 1936) dedicou o seu percurso de investigação ao levantamento de uma dimensão dos estudos históricos habitualmente secundarizada: não a história das grandes datas e dos líderes, mas a história do quotidiano, das representações e dos estilos de vida.

Especializando-se no período moderno (séculos XVII a XIX), Corbin expõe neste livro, numa linguagem acessível, o modo como o tema do repouso esteve presente no pensamento, na literatura (sobretudo a oriunda do espaço do autor, a francófona) e nas artes. A conclusão, a par do tema do livro, é assim delineada desde o início:

As definições e as figuras do repouso não deixaram de evoluir ao longo dos séculos e, na maioria das vezes, de se entrelaçar, sobrepor, confrontar (…) O nosso objetivo é permitir ao leitor compreender a verdadeira noção de repouso dos nossos antepassados e experimentar a vertigem do ser que o caracterizava.

(p. 10)

Desde a teologia bíblica do Sabbath, o descanso de Deus ao sétimo dia da Criação, até à espiritualidade da oração de quietude dos místicos modernos (João da Cruz e Teresa de Ávila), Corbin não receia em indicar como a matriz cristã influenciou a alternância entre trabalho e descanso que caracterizam a sociedade europeia até à Revolução Industrial. O repouso, longe de ser um intervalo para produzir melhor (como pretende a sociedade da produção e do consumo), é um tempo ativo, de profunda humanização, o que implica não confundir com um tempo de ativismo lúdico. O descanso é na atualidade substituído pelo lazer ou diversão, que é em si uma indústria sujeita às leis da procura e da oferta, e que mantêm a pessoa num processo contínuo de estimulação. Mas é apenas no ócio, na suspensão deste contínuo, que tem lugar a qualidade das relações, a gratuidade do encontro, a possibilidade de brotar uma intuição artística.

Este não é um livro de autoajuda ou de espiritualidade: a leitora ou o leitor que com ele se encontrem terão diante de si um itinerário a percorrer entre a literatura, a cultura e a arte, ao nível dos pergaminhos intelectuais do Autor. Se do repouso se fala, é do repouso que não se afunda no pesado sofá da televisão ou nos ecrãs das redes sociais. Descobre-se um filão que liga a tradição judaica, as festas medievais, o domingo cristão e a arte de Van Gogh. O repouso não é passivo, mas permeado por um propósito, ainda que não por uma produtividade. Envolve o tempo e o espaço, a relação com a natureza, a aceitação da fragilidade das relações, a lentidão do pensar e do agir. E ainda que a contemporaneidade compreenda, em várias fontes de discursos, a importância desta lentidão humanizante, Alain Corbin devolve-nos a sabedoria dos antigos, dos pensadores, poetas e ensaístas que, a seu tempo, perceberam como, no final, o repouso é o que nos torna humanos.

No fim do século XVI, Montaigne aborda várias vezes este tema e sublinha que há um momento em que nos devemos retirar para descansar: “Vivemos que baste para os outros; vivamos para nós, pelo menos no nosso final da vida. Orientemos para nós e para o nosso bem-estar os nossos pensamentos e intenções”. “As nossas forças abandonam-nos; poupemo-las e concentremo-las em nós”.

(p. 35)

Obra: História do Repouso
Autor: Alain Corbin
Edição: Quetzal
Páginas: 136

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