Como é sabido, Tolstoi abre o seu romance Ana Karenina com a famosa frase: “As famílias felizes são todas iguais, as infelizes são-no cada uma à sua maneira”. Mas todos sabemos também, da nossa experiência, que essa afirmação só é verdadeira ‘à sua maneira’.
Começo por aqui para falar de um belíssimo filme, Minari, que nos conta a luta de uma família coreana para vingar na América. Uma das primeiras coisas que se descobre é que, tirando a questão da comida – essa sim, com alimentos e temperos muito próprios –, o resto é muito igual em todas as famílias: as dificuldades e os sonhos, as alegrias e as tristezas, as discussões e as reconciliações.
A melhor maneira de entrar no filme é apresentar as personagens que nos conduzirão ao longo do mesmo:

Jacob, o pai, revela um gosto especial por trabalhar a terra. Mas vive debaixo de um peso terrível: tem de ser, custe o que custar, um exemplo para os filhos, tem de vencer haja o que houver e sustentar a família. É uma obsessão, como lhe dirá a esposa.
Mónica, a esposa e mãe, ama o marido e os filhos, e segue, contrariada, os sonhos do marido. Mas tem um problema que a aflige e condiciona: o filho, como saberemos, tem um problema cardíaco, corre o risco de morrer. E ela vive com esse pânico de mãe.
David, filho doente, a quem eles estão sempre a dizer para não correr, mesmo que seja naquele campo sem fim. Com o seu problema, mas sobretudo com as suas traquinices e ‘esticar da corda’, é uma personagem que não esqueceremos. Mais ainda se soubermos que é o ‘espelho’ do próprio realizador, que veio, de facto, em criança para a América com a família.
Anne, a filha mais velha, a quem os pais encarregam de tomar conta do irmão; é a filha bem comportada e responsável que também carrega o peso da família.
E finalmente, no que se refere à família coreana, temos a avó que ‘aparecerá’, já com o filme adiantado, para trazer equilíbrio, alegria e sabedoria àquela situação complicada (é ela que planta o Minari, no sítio certo, e ele produz bem). Apesar de parecer a culpada de muitos problemas, como a irreverência infantil lhe dirá numa cena.
O filme começa esperançoso, mas nós vamos sendo conduzidos para uma tragédia anunciada: no momento em que tudo tinha condições para ficar bem – Jacob ia conseguir vender os seus legumes, David estava a recuperar do seu problema cardíaco –, Mónica conclui que não pode continuar mais a acompanhar a ‘loucura’ do marido que só vê a quinta. E é com essa separação inevitável que regressam a casa, resignados.
Mas nada vai ser como tinham pensado. O destino vai pregar-lhes a ‘última partida’ que, afinal, os vai salvar. Ao chegar, espera-os um fogo que está a destruir o armazém que guarda todos os legumes. Jacob precipita-se para salvar o que puder. E Mónica vai atrás dele para o ajudar, até à exaustão.
Perceberemos depois que, aquele fogo, provocado pelas limitações físicas da avó, acabou por ser o fogo do amor que se reacendeu entre Jacob e Mónica e fez a família renascer das cinzas. Talvez seguindo a velha sabedoria de escolher apenas o lugar certo para semear o Minari (uma espécie de agriões) e esperar que eles cresçam. Serenamente.
Minari, de Lee Isaac Chung, Drama, M/12, EUA, 2020. Óscares 2021: Melhor Atriz Secundária. Festival de Sundance: Grande Prémio do Júri e Prémio do Público.
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