Na mensagem recentemente dirigida aos participantes no encontro mundial das Comissões Justiça e Paz das Conferências Episcopais (17-18 novembro de 2021), o papa Francisco lembra como estas são chamadas a contribuírem para o crescimento da justiça social, económica e ecológica e para a construção da paz, através da divulgação e aprofundamento da doutrina social da Igreja, do trabalho pela promoção da dignidade humana e da opção preferencial pelos pobres e os últimos.
Na concretização dessa missão desafio-as a recorrerem amplamente às Encíclicas Laudato si’ e Fratelli tutti, esforçando-se por conjugá-las de acordo com as diferentes situações locais, nos diversos contextos continentais, regionais e nacionais.
De facto [continua o Papa], em todas as partes do mundo, o desenvolvimento integral e, por conseguinte, a justiça e a paz, só podem ser construídas através destes dois caminhos: o cuidado da casa comum e a fraternidade e a amizade social. Estes dois caminhos têm origem no Evangelho de Cristo e podemos percorrê-los com tantos homens e mulheres de outras confissões cristãs, de outras religiões e até sem qualquer filiação religiosa em particular.
Papa Francisco
No momento em que nos preparamos para celebrar novamente o Natal e a entrada num novo ano, este desafio parece-me ser um verdadeiro programa de ação dirigido não só aos membros das referidas comissões, mas a todos os cristãos e a todos aqueles e aquelas que querem ser construtores de algo diferente.
Continuamos a viver uma situação pandémica que parece teimar em não querer terminar, interferindo constantemente com as nossas intenções de podermos voltar a encontrar-nos sem medos e receios.
A crise contemporânea, que a pandemia também ajudou a revelar na sua extensão, mostra, como se refere também na já citada mensagem, numerosas contradições no sistema económico e político, enquanto persistem desafios por resolver que exigem esforços conjuntos de muitos atores.
A recente cimeira sobre o clima – COP 26 – testemunhou-nos, como disse o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, os interesses, as contradições e o momento da vontade política de hoje. A situação dos refugiados às portas das fronteiras da Europa, sejam elas terrestes ou marítimas, deixa bem visível como a dignidade humana continua a ser espezinhada e a ser usada como moeda de troca para outros interesses nada dignos.
Não podemos adiar mais as necessárias e significativas mudanças nos nossos estilos de vida
Tudo isto e tantas outras coisas que, infelizmente, poderíamos aqui destacar, constitui-se como sinal evidente de que não podemos adiar mais as necessárias e significativas mudanças nos nossos estilos de vida e nas nossas mentalidades.
A esse propósito, as duas Encíclicas de Francisco atrás referidas apontam, com clareza e ousadia, a meta à qual devemos apontar: todos irmãos, cuidando da casa comum e sendo responsáveis pelo bem e pelo desenvolvimento integral de todos e de cada um.
Para alcançar esta meta temos de ter bem presente que a via que dá acesso à verdadeira identidade de todos, enquanto humanidade, e à identidade de cada um, enquanto pessoa, passa obrigatoriamente pelo outro, pela alteridade do outro, pela maneira como olho, me relaciono e cuido do outro. Porque, não tenhamos ilusões, a hora da verdade sobre a humanidade, em geral, e sobre cada um, em particular, acontece quando se cuida dos sofrimentos dos outros, ou, pelo contrário, se passa ao largo, fingindo não ver.
Esta parece-me ser uma dessas horas da verdade em que somos desafiados a escolher.
Ou continuamos a empurrar as mudanças necessárias para a frente, fingindo que não percebemos bem os custos que isso terá em termos de destruição do planeta, de sofrimento e de vidas, porque isso obrigatoriamente implicará com os interesses instalados, ou assumimos decididamente que este é o momento oportuno para começar a mudança.
A celebração do nascimento de Jesus lembra a todos os cristãos que não estamos sozinhos nesta missão. A entrada num novo ano aponta-nos mais uma oportunidade. Não nos esqueçamos dEle, não desperdicemos a oportunidade.
Foto da capa: Fronteira entre a Polónia e a Bielo-Rússia – Requerentes de asilo, refugiados e migrantes do Médio Oriente junto ao posto fronteiriço polonês-bielo-russo de Bruzgi-Kuznica, 25 de novembro de 2021. Foto EPA / LEONID SCHEGLOV / BELTA.