Não tenhamos pressa de fugir do vazio

Parece-me que todos sentimos a necessidade de voltar à normalidade, daquilo que éramos e fazíamos antes.

Sem dúvida, precisamos retomar com responsabilidade os nossos compromissos, na vida laboral e familiar, nos ambientes formativos e produtivos, nas atividades assistenciais e, também, na vivência religiosa e eclesial.

Contudo, há um anseio de colmatar certos vazios que a pandemia provocou e que nos incomodam bastante. Para nós cristãos, é sobretudo o vazio das igrejas: sem povo de Deus, sem crianças, sem juventude, sem avós e sem famílias. Temos edifícios que apelam à celebração da fé e da comunhão, mas esvaziados dos seus protagonistas.

Numa entrevista sobre um seu artigo escrito para uma revista italiana, o cardeal Tolentino Mendonça afirmou que neste tempo precisamos de parábolas. E esclareceu com um exemplo: “Aquela celebração de sexta-feira à noite na praça de S. Pedro vazia foi a parábola mais poderosa e necessária para estes tempos. Francisco, abraçando o vazio e a solidão, é como se os tivesse exorcizado: começámos, assim, a olhar o vazio de outra maneira. Isto demonstra como a fé é uma parábola capaz de tocar e curar o coração humano“.

No mesmo tempo, fez eco o teólogo Tomáš Halík, Presidente da Academia Cristã da República Checa, com um texto intrigante: “O sinal das igrejas vazias”. A análise e a reflexão deste pensador é provocatória e desafiadora. Cito poucas linhas: “Talvez este tempo de edifícios eclesiais vazios ponha simbolicamente em evidência o vazio escondido nas Igrejas e o seu possível futuro – se não fizermos uma séria tentativa de mostrar ao mundo um rosto do Cristianismo completamente diferente. Estivemos demasiado preocupados em converter o “mundo” (o «resto») e menos preocupados em convertermo-nos a nós mesmos; e isto não significa apenas “melhorarmo-nos”, mas passar radicalmente de um estático “ser cristãos” a um dinâmico “tornar-se cristãos“.

Esta pressa de “fugir do vazio” que nos incomoda ou de preencher os vazios das nossas praças, centros comerciais, campos de futebol, praias e até igrejas e santuários… não será a única solução para vencer a solidão e o medo que esta pandemia gerou.

O ser humano é um ser comunitário, mas não poderá vencer a solidão preenchendo de qualquer maneira o “vazio”. Lembro, como fosse hoje, a frase de uma jovem, na festa de encerramento da Expo ’98, com trezentas mil pessoas no recinto, fogos de artifício e música a bombar: “Quando tudo acabou, senti-me tremendamente sozinha”.

Por isso, Halík e Tolentino convidam-nos a afinar nestes dias, “a arte do discernimento espiritual”, para ler com esperança a linguagem destes sinais que não existem apenas para nos inquietar, mas sim para nos desafiar e entrever algo de novo no horizonte.

Citando Pascal, o cardeal Tolentino afirma: Hoje precisamos de mãos – mãos religiosas e laicas – que sustentem a alma do mundo. E que mostrem que a redescoberta do poder da esperança é a primeira oração global do século XXI”.

Não será em resposta a este anseio que o Papa Francisco acolheu a “proposta do Alto Comité para a Fraternidade Humana, para que, no passado dia 14 de maio, os crentes de todas as religiões se unissem espiritualmente em um dia de oração, jejum e obras de caridade, para implorar a Deus que ajude a humanidade a superar a pandemia do coronavírus“?

Todas as mãos unidas, para abraçar e sustentar a alma do mundo que este vazio contém.


Foto da capa: A Catedral ou O Arco da Aliança, de Augusto Rodin, Museu de Filadélfia, EUA. Foto de Regan Vercruysse, 2014. Wikimedia Commons.

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