No post do mês passado conjuguei o tema do amor – escrevi no dia de São Valentim – com o da eutanásia, que o Parlamento se preparava a aprovar. Passou um mês e leio na página Facebook de uma jovem: “Ontem debatia-se a eutanásia, hoje estamos a lutar pela vida”.
O Covid-19 alterou tudo, da vida política à vida social, da vida laboral à vida comunitária, da vida paroquial à vida familiar. As nossas cidades, vilas, aldeias e bairros, sofreram uma reviravolta radical.
Todos estamos virados do avesso. Obrigados a descobrir palavras com os seus sinónimos que tínhamos arrumadas nos arquivos e bibliotecas dos conventos: quarentena, clausura, jejum, silêncio, isolamento, abstinência, escuta interior.
Casas eremitério e casas convento
As nossas casas tornaram-se “eremitérios” para alguns – sobretudo as pessoas que vivem sozinhas, como idosos –, e “conventos” para outros (convento vem de cum-venire, vir ao encontro de), descobrindo o valor da família e da comunhão.
A casa tornou-se espaço de trabalho, de refeição, de estudo, de diversão, de oração, de lazer, de comunicação com os de fora, de descanso. Tudo acontece em casa, porque lá fora está o inimigo: o vírus.
Este vírus, tão temido e terrível, mandou parar o mundo, mandou-nos fazer um ensaio de vida diferente. Um jejum a que não estávamos acostumados.
Até jejum de vida na igreja: missas, sacramentos, catequese, festas, encontros, bar, reuniões, retiros, jornadas paroquiais, vicariais, diocesanas… tudo foi cancelado.
Até a possibilidade de ter o confessor à mão para a confissão foi riscada do mapa.
Faz-me lembrar a famosa canção Azzurro do famoso cantor italiano Adriano Celentano: Azul. A tarde é tão azul… sozinho a passear… nem um padre para conversar.
Estamos a viver um jejum que não conhecíamos

É verdade que existem as redes sociais, mas acho que ficamos tão cheios de news, de imagens, de vídeos, de piadas misturadas a contínuas recomendações… ao ponto de rejeitar tudo e carregar delete, dizendo basta.
Como iremos sair deste grande jejum: de cafés, de escolas, de igrejas, de cinemas, de concertos, de teatros, de parques infantis, de estádios de futebol, de centros comerciais, de metro, de associação de bairro, de passeios culturais, de visitas de estudo, de peregrinações a pé, de procissões, de festas e arraiais, de almoços de amigos, de aniversários, de colegas de trabalho. E a listagem poderia continuar.
Não sei para onde nos levará este jejum inesperado. Não ouso fazer de profeta de ventura ou desventura. Sobretudo por respeito de quem está a dar a vida e a perder a vida nesta hora tão difícil.
Mas a verdade é que quando Jesus entrou no deserto, jejuou quarenta dias e quarenta noites, foi tentado e, no fim, saiu fortificado.
Como sairemos deste tempo de prova?
Uma funcionária do Centro Social da nossa paroquia que continua a dar apoio aos idosos colocou na porta da instituição a palavra esperança.
Sim, esta é a esperança que temos: se vivermos unidos este momento de prova, seremos capazes de viver melhor amanhã quando acabar este grande jejum.
You must be logged in to post a comment.