Para percorrer de carro a distância entre Ourém e Fátima, há três estradas conhecidas (e mais um sem fim de caminhos por entre aldeias e lugares da serra, que os habitantes da zona conhecem).
A estrada da Atouguia, mal asfaltada, atravessando várias aldeias além da Atouguia que lhe dá o nome, ladeada por casas de estilos contrastantes, algumas a lembrar uma França ou um Luxemburgo afinal não tão distantes, outras a lembrar que os anos 1980 e 1990 foram muito bons para os alumínios e terríveis para a arquitetura local.
A estrada de Alvega, um caminho bem alcatroado, com algumas zonas íngremes e longas retas, a querer contrariar a distância (sempre mais ou menos a mesma) entre a sede de concelho e a sua povoação mais conhecida.
E há ainda a estrada dos Figueirais que sobe e desce a serra em curvas e contracurvas relativamente suaves, sempre a espreitar lá de cima este terreno rochoso, cheio de azinheiras e oliveiras, dos limites da Serra d’Aire e Candeeiros.
São paisagens a perder de vista, pontuadas sem brilho pelas calvas das pedreiras ou dos armazéns e fábricas da zona.
Os autocarros de carreira fazem o caminho sempre por Alvega, e as famílias que querem aproveitar para almoçar num restaurante de beira de estrada escolhem amiúde a Atouguia, por ter mais opções.
Percorri estas estradas muitas vezes com os meus avós, os meus pais e hoje, menos, com o meu marido e os nossos filhos. Entre Ourém e Fátima a distância é só de quilómetros, porque na cabeça de quem lá anda é já ali, são quinze minutos, é um momento, já voltamos… Para os que vamos só passar o fim de semana, escolher o caminho a percorrer é a primeira e rápida negociação ao entrar no carro. Às vezes, é questão de apetite. Apetece-me ir por ali.
A estrada dos Figueirais é sem dúvida a estrada mais dura de se percorrer a pé, menos acompanhada e mais perigosa, já que quase não há espaço nas bermas, embora peregrinos os haja em todas as partes e durante todo o ano.
Num sábado de início de agosto, vínhamos pelos Figueirais regressando a Ourém, e cruzámo-nos com três peregrinos no sentido de Fátima. Nós a descer, eles a subir. Nós de carro, mais depressa, eles de bicicleta, mais empenhados. Foi um momento, cruzar o olhar e de forma rápida e habitualmente distraída “tirar o retrato” mental de quem fugazmente está perto de nós.

Eram dois homens de bicicleta, lado a lado
Uma das bicicletas trazia agarrada à frente uma espécie de cadeira de rodas, daquelas que vemos no desporto adaptado, de modo que o ciclista pedalava empurrando o terceiro homem, claramente mais jovem, claramente diferente.
Não consigo dar muitos mais detalhes, mas provocou-me uma impressão tremenda a lentidão esforçada daquela subida íngreme, a coragem do pequeno grupo, o sacrifício do homem que empurrava o jovem, a solidária presença do companheiro na outra bicicleta.
Que treino físico é necessário para os músculos das pernas que não param de pedalar? De que matéria é feito um coração que empurra o jovem (será um filho?) na cadeira, esse que, sem se mexer, será afinal o primeiro a chegar ao destino. É ele o protagonista daquela viagem? Que força os move: uma dívida? Uma esperança? Fátima é o final do caminho ou é o princípio de uma nova etapa? Quem são eles, o que os une, que promessa estavam a cumprir?
A destes homens, como de outros, é para nós misteriosa, porque apenas a eles pertence, e todavia é-nos tão familiar: resulta do diálogo íntimo com os próprios limites e ao mesmo tempo com expetativas que os extravasam.
Prometer ou fazer uma promessa
Tenho a perceção de que não é exatamente o mesmo “prometer” que “fazer uma promessa”. Parece que o primeiro é um verbo do quotidiano (prometemos chegar a horas, não dizer a ninguém, fazer a cama todos os dias, estar com atenção nas aulas, etc., etc..); já na segunda expressão, é o nome que ganha importância substantiva e passa a ser o centro de uma nova história: a promessa.
Toda a promessa é um pacto de fidelidade e de esperança
Os homens com quem me cruzei na estrada dos Figueiras sabem-no bem, porventura o leitor também o saberá. Não se trata apenas de um pacto com a transcendência, mas de um compromisso fiel e esperançoso no mundo em que somos.
Em vésperas de eleições no nosso país, muito bom seria que as promessas (também as eleitorais) que nos fazem, as nossas fidelidades éticas, sobretudo a esperança, não estivessem alheadas das escolhas que temos de fazer como cidadãos comprometidos com um país constantemente à procura da sua melhor versão, sem deixar para os políticos todas as decisões.
Foto da capa: Foto © João Margalha | Rota Carmelita – www.margalhafotografia.com | www.pathsoffaith.com/pt-pt/ways/fatima-ways/rota-carmelita.
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