Na vida, tanto das pessoas como das comunidades, há momentos em que é necessário parar em ordem a poder avaliar o caminho já percorrido e fazer as alterações que se revelarem necessárias. Sem esses momentos, a existência correria o perigo de ir correndo de um modo mais ou menos automático e como que sendo a dona da vida.
Sei que esta afirmação pode, à primeira vista, parecer estranha. De que modo pode a existência ser dona da nossa vida? Não somos nós que vivemos? Sim, é verdade que somos nós que vivemos, mas isso não é equivalente a sermos os verdadeiros protagonistas da nossa vida. Para o sermos, de verdade, julgo que a procura do sentido da vida se revela como um dos elementos mais fundamentais e necessários para que a possamos viver, de um modo ativo, e não simplesmente ‘sofrê-la’, de um modo passivo. Pois bem, esse sentido tem de ser procurado, de certo modo, mesmo, construído, para que possa ser considerado sentido. Deixar correr a existência, não pode, no meu entender, ser considerado verdadeiramente um sentido, pois o resultado nunca será aquilo que no íntimo se deseja, mesmo quando, aparentemente, não se deseja nada.
Um sentido para a vida
Tenho consciência de que há pessoas que, pelos mais diversos motivos, já não procuram sentido para a vida, deixando-a correr pelos caminhos que quiser ou que o acaso for possibilitando. Se bem que não sou capaz de dizer que a vida dessas pessoas seja menos séria do que a minha vida, confesso que tenho alguma dificuldade em entender como será possível construir algo em comum com os outros. E é precisamente aqui que reside, para mim, também, a importância do sentido. É que, na verdade, a vida não é só nossa, mas é sempre construída na intercessão de outras vidas que, apesar de não serem nossas, acabam por fazer parte dela, constituindo-se também como fios com os quais se tece a existência, a nossa, a dos outros, a de todos.
Por isso, esses momentos de paragem a que me refiro, não constituem verdadeiramente uma paragem na vida, como se por momentos deixássemos de viver, mas, pelo contrário, são momentos que se alimentam da própria vida, não para a consumir e esgotar, mas para a aprofundar e perspetivar. São esses momentos, nos quais a vida está bem presente, que oferecem a possibilidade de podermos recomeçar o que, entretanto, ficou parado, esquecido, adiado, mas é verdadeiramente importante; ou mesmo começar, o que ainda não tivemos oportunidade de iniciar, porque ainda não estava claro, porque ainda não estávamos suficientemente maduros, porque ainda não era o tempo, mas intuímos, de uma maneira cada vez mais clara, ser igualmente importante para o sentido da existência.
Sinceramente julgo que os próximos meses podem constituir-se como um desses momentos. Naturalmente, para uma grande maioria da nossa sociedade, eles como que naturalmente se constituem como tempo de um recomeço. Recomeço da escola, recomeço do trabalho, recomeço das atividades políticas e tantos outros recomeços. Neste ano, até, eles coincidirão com duas realidades importantes. Por um lado, as eleições autárquicas, que deveriam implicar sempre um momento de avaliação da vida das comunidades para introduzir as mudanças necessárias; por outro, o tão desejado recomeço de uma vida mais normal, não tão dominada pela pandemia que parece ter tomado conta de tudo, possibilitando a procura de outros sentidos que não se reduzam principalmente a conter e dominar o vírus, por mais importante que isso continue a ser.

Mas para que estes recomeços possam também ser o começo de algo de novo temos de ter a coragem de fazer as tais paragens, que não são, repito, paragem da vida. Nesta linha, tenho bem presente o que se pode ler no nº 202 da Laudato Si’:
Muitas coisas devem reajustar o próprio rumo, mas antes de tudo é a humanidade que precisa de mudar. Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos. Esta consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida. Surge, assim, um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração.
E também no nº 207,
Por isso, atrevo-me a propor de novo aquele considerável desafio: «Como nunca antes na história, o destino comum obriga-nos a procurar um novo início (…). Que o nosso seja um tempo que se recorde pelo despertar duma nova reverência face à vida, pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida».
Estamos verdadeiramente perante um enorme desafio que é simultaneamente a oportunidade de ousarmos os (re)começos necessários.
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