Respirar a vontade a que Deus nos chama

Nos últimos dias tenho dado alguma atenção ao Documento de Trabalho do Sínodo da Amazónia. Voltei a relê-lo, agora com os olhos e a atitude de quem não só quer ler, mas quer perceber melhor a realidade que o texto quer traduzir.

Não escondo um certo entusiasmo e uma certa apreensão com a receção do mesmo.

Entusiasmo, porque nele encontro sugeridos caminhos de reflexão e ação que me parecem ser verdadeiramente relevantes para a vida das comunidades cristãs, não só na Amazónia, mas em todo este planeta que é a nossa casa comum.

Apreensão porque as divisões e as tensões já se estão a fazer sentir de uma maneira evidente, tentando reduzir tudo a um simples e patético estar a favor ou contra o Papa Francisco, como se aquilo que estivesse em jogo não fosse mesmo a procura, sincera e empenhada, do melhor bem possível para toda a humanidade.

Não é esse afinal o projeto de Deus? Não é esse afinal o motivo pelo qual viveu e morreu Jesus? Não é essa afinal a razão de ser da comunidade cristã?

Estes são temas importantes e maiores aos quais terei a oportunidade de voltar, pois o Sínodo está a acontecer…

Sínodo: tempo de escuta

Agora interessa-me partilhar com os leitores um desafio que o texto fez ressaltar em mim e que pretendo ter bem em conta. Citando o nº 6 da Constituição Apostólica Episcopalis Communio este documento de trabalho começa de uma maneira que me parece muito significativa:

O Sínodo dos Bispos deve tornar-se cada vez mais um instrumento privilegiado de escuta do Povo de Deus: “Para os Padres sinodais pedimos antes de mais nada, do Espírito Santo, o dom da escuta: escuta de Deus, até ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo, até respirar nele a vontade a que Deus nos chama.

O sublinhado do texto é meu e com ele pretendo destacar o desafio a que fazia referência: pedir o dom da escuta, da escuta de Deus na realidade, até poder ouvir com Ele o grito do povo, até poder respirar nesse grito a própria vontade e o caminho a que Deus nos está a interpelar.

Philippe Echaroux cria a “primeira arte de rua do mundo”, na Amazónia, com a tribo Suruí, usando tinta de luz em vez de tinta de spray. Philippe Echaroux é um fotógrafo francês, especialista em educação e artista de rua. Projeta os seus retratos em grande escala, chamando-os de “Street Art 2.0” - “Arte de Rua 2.0”. http://www.philippe-echaroux.com/
Philippe Echaroux cria a “primeira arte de rua do mundo”, na Amazónia, com a tribo Suruí, usando tinta de luz em vez de tinta de spray. Philippe Echaroux é um fotógrafo francês, especialista em educação e artista de rua. Projeta os seus retratos em grande escala, chamando-os de “Street Art 2.0” – “Arte de Rua 2.0”. http://www.philippe-echaroux.com/

Ouvir com Ele o grito do povo

No nº 18 deste documento de trabalho (tal como em muitos outros sítios) esta ideia aparece reforçada:

Começando por estes clamores como lugar teológico (a partir de onde pensar a fé), podemos dar início a caminhos de conversão, de comunhão e de diálogo, caminhos do Espírito, da abundância e do “bem viver”. A imagem da vida e do “bem viver” como “caminho rumo ao santo monte” [categorias culturais bem conhecidas dos povos da Amazónia] implica uma comunhão com os companheiros de peregrinação e com a natureza em seu conjunto, isto é, um caminho de integração com a abundância da vida, com a história e com o porvir.

Estar atento a esse rio vivo que alimenta a realidade

Neste tempo de férias que estou praticamente a iniciar, e no qual posso estar calmamente e a tempo inteiro com a minha família, quero ter bem presente este desafio. Quero viver este tempo não só deixando-o correr, mas tentando perceber nele a presença do Mistério que o sustenta. Quero tentar estar atento a esse rio vivo que alimenta a realidade fecundando-a. Tantas vezes olhamos só para ela sem ser capazes de intuir o seu fundamento.

Nem tudo tem de ter uma explicação imediata. Muitas das coisas que acontecem à nossa volta e na nossa vida não têm de ser explicadas a partir de grandes e complexos sistemas. Muitas delas, atrevo-me a dizer, acontecem porque sim e, muitas vezes, sem razões plausíveis imediatas nem evidentes.

Mas apesar disso, o Mistério de Deus está a suportar essa realidade e está a comunicar e relacionar-se connosco através dela.

Nas férias: escutar e encontrar Deus

É a esse Mistério que quero estar atento e desperto. Mas esse Mistério na realidade, ou seja, tentando intuir a sua presença no global da experiência vital que for experimentar e viver. Quero mesmo viver estes dias sem pressa, mas intensamente; quero vivê-los em família e nessa experiência perceber a presença de Deus e o chamamento que me faz.

No fundo, quero escutar e encontrar Deus na experiência da vida. Não fora dela, não à volta dela, nem, muito menos, apesar dela. Se for capaz disso, se não me distrair, então tenho a certeza de que estas férias serão mesmo boas e tornar-se-ão força a inspirar os outros dias.

E já agora, esses outros dias que se seguem são certamente muito importantes, não só porque são aqueles que nos são dados viver, mas porque neles, num dos cantos desta casa comum, irá decorrer um tempo de escuta, no qual Deus está a desafiar as comunidades cristãs à ousadia de novos caminhos.

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