Há uma hierarquia entre os santos? Pouco sabemos do que ocorre lá, no céu; saberemos um dia. Entretanto, constata-se que nós, terráqueos, temos uma proximidade bem variada com os santos venerados pela Igreja Católica. Por exemplo, alguém pediu para São Paulo, o fundador das primeiras comunidades cristãs, intervir para encontrar um objeto perdido? São Pedro, encarregado pela meteorologia, ouve pedidos para que chova em tempo de seca; além disso, quem se lembra dele? É verdade que há santos especializados em causas que requerem uma intervenção poderosa, a serem invocados assim que o desespero toma conta da pessoa. Veja o caso de São Expedito, a quem se recorre quando há urgência na solução de problemas ou Santa Rita de Cássia, a advogada das pessoas com problemas insolúveis.
Por nossa sorte, há outros santos que são da casa. A eles podemos recorrer sempre que precisemos da ajuda e pedimos sua intercessão junto a quem pode tudo, o Pai Nosso que está no céu. Em primeiro lugar, Nossa Senhora, Maria de Nazaré, a mãe de Jesus e de todos nós, irmãos de Jesus e filhos do mesmo Pai. Outro da família é Santo António, que no imaginário do povo adquiriu as feições do tio solteiro e bom que acode para resolver problemas dos sobrinhos.
A religiosidade popular, fruto de contínuas mesclas entre mundos sobrenaturais e terrenos, insere o sagrado no cotidiano da vida e das coisas concretas e multicoloridas deste nosso mundo, onde se manifesta e se impõe misturado às coisas da natureza e aos afazeres do dia a dia. Santo António é santo ‘taumaturgo’, o que faz milagres. Entretanto, é interessante notar que frei António de Lisboa, durante sua breve vida terrena (36 anos, 1195-1231), não teve fama de milagreiro. Os muitos milagres que lhe são atribuídos foram a idealização, depois de sua morte, do que o Santo representava em sua ação: “Antônio se nos apresenta como um sinal de presença de um Deus de amor na vida cotidiana, de um Deus atento ao homem em sua situação precária, superando as ideologias das autossuficiências humanas. Definitivamente, é a presença de um Deus-amor, que é a língua materna de toda experiência de quem crê” (G. Panteghini).
Foi alguém e ‘santo’ que, com rica afetividade, acolhia as pessoas e tinha um dom particular para atrair e conquistar a presença maciça do povo e das elites com a sua pregação e com o exemplo da sua vida.
Uma figura próxima e inspiradora
Retomar a figura de frei António de Lisboa, sua preocupação com a harmonia familiar, seu compadecimento diante do sofrimento das mães e das vítimas de injustiças sociais e dos exploradores do povo, contra os quais invoca com veemência a intervenção de um Deus purificador, fazem dele uma figura próxima e inspiradora para a realidade atual.
Enfim, “a idealização operada pela liturgia, pela pregação, pela arte, pela piedade popular exalta… dois traços essenciais: a sua união com Cristo e sua proximidade com o irmão necessitado… O António da devoção popular é esse António: amigo de Deus e amigo dos necessitados” (G. Panteghini). Não podemos ficar insensíveis diante dos sentimentos do povo que não mede esforços para ficar junto de seu santo.
É o que encontramos nas orações publicadas no Mensageiro de Santo António. São expressões da devoção, como indicado no alto da página, e, portanto, da confiança com que as pessoas se dirigem a Santo António; a mesma confiança que levava as pessoas a procurarem frei António para aliviar suas angústias.
O que pedem os devotos de Santo António?

Podemos notar uma nota de afetividade de quem se dirige a Santo António. Por isso, ouvimos: “Meu querido Santo António”, “Bondoso”, “Amabilíssimo”, “Santo António, sois carinhoso e bom”, “Santo António da minha devoção”. Ainda: “Meu querido Santo António, eu te suplico em nome de Jesus que repousa nos teus braços…”.
Há quem pede “por favor” a intercessão do Santo, como a boa educação ensina quando nos dirigimos a quem nos pode ajudar. Ao mesmo tempo, não se esquece que o Santo tem poder de intercessão: afinal, ele é o ‘taumaturgo’ e, por isso, é invocado também como ‘Vitorioso’, ‘Poderoso’, ‘Milagroso’, ’Potente’, ‘Grande e admirável’.
Os pedidos de graças inserem Santo António no dia a dia das pessoas. Há quem pede para encontrar objetos desaparecidos e manifesta gratidão e maravilha pelo pronto atendimento. Os pedidos para recuperar a saúde abalada por doenças, para encontrar trabalho, aprovação em concurso, ajuda em causa de justiça, ajuda a pagar as dívidas, manifestam que a vida não é sempre como desejaríamos.
Há quem não aprove tantas súplicas aos santos e, particularmente, a Santo António, por considerá-las sintoma de uma religiosidade interesseira. Nesses pedidos, entretanto, enxerga-se a vida de tantas pessoas que, no esforço cotidiano de viver uma vida honesta e digna, confiam na bondade e misericórdia de Deus para ter ânimo e força para enfrentar as dificuldades que sempre serão indesejadas companheiras de caminhada.
E enxerga-se também o carinho da avó que pede, “de todo o coração, que proteja os netinhos de todas as maldades deste mundo”. Assim como podemos ver o amor altruísta da mãe que pede para que o filho seja feliz, pois assim “poderá retribuir a mesma felicidade aos outros”. E vê-se o coração aflito da mãe que implora “pela filha que não é feliz”. Outra mãe, que toma consciência de que terminou sua missão, pede confiante: “Dado que não posso ajudá-los mais, faz isso por mim, de modo que possam caminhar no Caminho do Pai e sejam felizes. Confio em ti”.
Não há pedidos para que sejam concedidas riquezas. Uma devota pede a reforma completa pois, com ela, poderá auxiliar os mais carentes da sociedade; há quem reza para que “os projetos de auxílio aos necessitados se consigam concretizar”. Em tempos de penúria, como os atuais para muitas pessoas, lembrando a intervenção do Santo para que devedores não fossem aprisionados ou exilados, aliviando assim o sofrimento das famílias, pede-se ajuda “para pagar todas as minhas dívidas”.
Aos pedidos de uma ajuda do céu para necessidades pessoais ou da família, acrescentam-se pedidos de quem, preocupado com a realidade sombria em que estamos inseridos na atualidade, pede: “Que todos os governantes do nosso planeta trabalhem para a construção da paz e da justiça social… Protege Portugal e intercede junto de Deus pela paz no mundo”.
O santo casamenteiro por excelência é invocado para que interceda para “poder ter ao meu lado um companheiro bom, amigo e honesto e que me ajude a vencer a solidão da vida”. Uma devota implora: “Por favor, cura o meu seio, intercede por mim. Dá-me a graça de ser mãe… e um santo matrimónio”.
Lembrando o Santo que restabelecia a paz entre casais em desacordo: “Te peço que protejas o meu casamento nesta fase menos boa”. E, “ajude a minha filha e marido e voltem a ser o casal que Deus uniu”. Que a filha case bem, “e que a todos nunca nos falte o pão, a fé e a graça de Deus”.
Antes do pedido de ajuda do Santo, muitas vezes vem o agradecimento: “Antes de mais, obrigada por tudo o que tenho, a minha família, amigos”; “Santo António, eu te agradeço por tudo o que tenho e peço pelos que nada têm”.
Enfim, caminhando de mão dada com o querido Santo, chegaremos até a casa do Pai: “Peço a tua intercessão junto a Deus, para que caminhemos juntos no seio do Seu amor ao encontro d’Ele! Assim quero viver, aprendendo!”.
Santo António, o bom tio que quebra os galhos dos sobrinhos, lembra-nos de que o Pai é generoso com seus filhos. Durante sua vida, foi sinal da bondade de Deus: sua pregação e sua presença desarmavam a violência que reinava entre facções rivais; confessor, esquecia-se de tomar alimento para atender às confissões; enfrentava os poderosos e restabelecia a harmonia nas famílias. Do céu, ainda exerce a missão que cumpriu na terra, a de mensageiro da bondade de Deus. E pede a nossa colaboração de bons cristãos, para que o que pedimos – paz e fraternidade entre os homens – seja o milagre que nós mesmos ajudaremos a realizar.
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