Não sei como é nos vossos computadores, mas no meu word a palavra sinodalidade aparece como erro. Já a palavra Sínodo o computador aceita como palavra correta. Não deixa de ser engraçado que o dinamismo, a ação, o processo… continue a dar erro, a não ser aceite como palavra no dicionário existencial dos nossos dias e da contemporaneidade… quem sabe até em muitos contextos eclesiais.
O tema da sinodalidade não é novo, tem uma história longa e rica. O que é novo é o contexto e a realidade social e eclesial que mudou muito nos últimos anos. Mas é nesse mundo e nessa realidade concreta que precisamos de continuar a incarnar o evangelho porque “fora do mundo não há salvação” (Schillebeeckx ).
Continuamos a viver uma enorme pandemia que esperamos se torne, em breve, uma endemia. Podemos dizer que é a ‘primeira pandemia do século XXI’. Estamos todos debaixo da mesma ‘tempestade’, ainda que nem todos a sintam da mesma maneira.
Por muito otimista que possamos ser, a verdade é que os impactos desta pandemia são enormes e ainda não conseguimos ‘definir’ todos: o número de mortos (diretos e sobretudo os indiretos por falta de cuidados básicos); as sequelas físicas e psicológicas que decorrem do isolamento a começar nas crianças; os que estão nos hospitais ou cadeias e não podem receber visitas; o trauma daqueles que não se puderam despedir dos seus entes queridos na hora da morte ou têm de o fazer sem poder ter expressões de afeto e proximidade; os que sentem o abandono e a solidão, o aumento das depressões… entre leigos e também entre padres.
Algumas características deste tempo aceleradas pela pandemia
Já não estamos no tempo de uma religião comunitária, que acompanhava todos os momentos da vida (sacramentos) e todas as horas do dia (trindades), nem num tempo onde a gramática e o imaginário religioso eram comuns a todos; nem no tempo da total confiança e respeito pelas instituições, como o Estado, a Igreja, a Escola (basta pensar na questão dos abusos de menores dentro e fora da Igreja); já não é o tempo da afirmação da fé feita sem lugar para a dúvida.
O que resta? O ‘narciso’ e o seu smartphone, o ser individual e a internet… A referência de hoje não é a autoridade, o cientista, o professor, o médico, o padre… mas os Bloggers e os YouTubers, os músicos e os jogadores de futebol, os atores e os comediantes…
A vida quase que acontece toda entre a imagem e o som, entre diversão e gostos pessoais.
A internet há muito que deixou de ser instrumento e passou a ser o ambiente de muitas pessoas e trabalhos.
A questão hoje já não é saber se tem computador, ou se tem internet, ou saber qual a password… mas qual a velocidade e a estabilidade da rede.
Tudo tende a ser fragmentado e sem centro, não se busca uniformidade, nem a simetria, desaparecem as grandes narrativas e investe-se num mundo pragmático e eficiente, experimenta-se a provisoriedade e tudo parece descartável (empregos, projetos de vida, pessoas…), vive-se de pluralidade e multiculturalidade – também religiosa, numa mobilidade sem paralelo (geográfica, conhecimentos…).
Necessidade de lavrar os terrenos em pousio

O Padre Adelino Ascenso, no seu último livro A mística do arado (2021), olhando toda esta realidade, fala-nos da necessidade de um trabalho prévio à sementeira – para a semente cair e frutificar, a terra tem de estar apta a acolhê-la… Já não é uma questão tanto do semeador, nem da semente, mas a terra que precisa de ser trabalhada. Ele fala das pessoas que são como ‘terrenos em pousio’ por lavrar.
Por tudo isto, ainda faz mais sentido ouvir o Papa Francisco a dizer que “O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio”. Uma sinodalidade que se revela “como forma, como estilo e como estrutura da Igreja” (Documento Preparatório do Sínodo dos Bispos).
Gosto de pensar no sentido da palavra sínodo: caminhar juntos. Temos sublinhado muito o ‘juntos’ – isso é fundamental (uns com os outros e todos com Deus Trindade), mas também gosto de reforçar o caminhar. Ser radicalmente peregrino, colocar-se a caminho: certezas, força, vontade, desânimo, cansaço, adaptar-se diante das circunstâncias e dificuldades, pedir ajuda, recomeçar…
Há medos, muitos medos, também dentro da Igreja. Temos medo de que as pessoas agora decidam tudo e que os padres até corram o risco de ficar de fora ou para trás. Medo de que o Sínodo seja uma democratização ou uma protestantização… ou lugar onde as minorias assumam o poder.
Escutar é mais do que ouvir
Deste modo, o segredo e o problema começa na escuta. Acreditar no poder da escuta – é um poder para quem é escutado e para quem escuta. Por exemplo, em vez de falar para os jovens ou falar deles, escutá-los…
Podemos aprender muito mais a ouvir do que imaginamos. Mas esta escuta não é apenas uns dos outros, nem apenas da nossa consciência, é a escuta da Palavra de Deus, a escuta do Espírito Santo, a escuta inspirada…
Na verdade, “precisamos de nos exercitar na arte de escutar, que é mais do que ouvir” (EG 171). É uma questão de ouvidos, mas essencialmente uma questão de coração. Neste sentido, adverte São Bento, na sua Regra: “Meu filho, abre o ouvido do teu coração”. O nosso problema começa logo na disposição do coração, fechamos o coração e os ouvidos.
A este propósito, o Papa Francisco dizia aos padres sinodais, em Outubro de 2014: “Uma condição geral de base é a seguinte: falar claro. Que ninguém diga: ‘Isto não se pode dizer; pensará de mim assim ou assim…’. É necessário dizer tudo o que se sente com parrésia. A sinodalidade exerce-se com estas duas atitudes. É por isso que vos peço, por favor, estas atitudes de irmãos no Senhor: falar com parrésia e ouvir com humildade”, ou seja, falar com franqueza, com liberdade, abertamente e publicamente.
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