TEMPO DA CRIAÇÃO: A emergência da mudança pela sustentabilidade

Existimos num planeta que nos proporciona condições extraordinárias para sermos quem somos e podermos explorar todo o nosso potencial. Contudo, a relação que estabelecemos com a base que permite a nossa existência é tudo menos a que deveria ser.

Usamos e abusamos da generosidade inerente ao planeta em que vivemos, sem respeitarmos os limites que nos surgem de forma cada vez mais evidente. Arrogantemente avançamos numa lógica de conquista e exploração, perseguindo objetivos de acumulação numa visão muito estreita de crescimento económico, pouco inclusivo e tendente à acumulação em determinadas franjas da sociedade.

Não haverá sociedades, nem economia se não existirem os recursos naturais e os serviços ambientais generosamente fornecidos pelo único planeta conhecido em todo o universo como tendo condições para albergar vida.

É por isso que quando falamos de desenvolvimento sustentável, e ainda que o que se procure promover o equilíbrio entre os três pilares – ambiental, social, económico –, o facto é que um deles é verdadeiramente limitante para os outros, o ambiental, exatamente aquele que tende a ser menos valorizado.

Desde 1970, o uso de recursos naturais mais do que triplicou e continua a crescer e os seus benefícios são distribuídos de forma desigual entre países e regiões. A metade mais pobre da população global possui apenas 2% da riqueza global total, enquanto os 10% mais ricos possuem 76% de toda a riqueza. Os seres humanos alteraram 75% da superfície terrestre do planeta, impactaram 66% da área oceânica e destruíram (direta ou indiretamente) 85% das zonas húmidas.

A mudança é urgente e não é suficiente fazer mais do mesmo, ainda que um pouco mais eficiente, mais tecnológico, mais inovador. Precisamos de um olhar integrado e de longo prazo sobre a forma de nos prepararmos para enfrentar crises futuras que já se avizinham e que serão inevitáveis, focando-nos no bem-estar das pessoas e no estabelecimento de uma relação de equilíbrio e respeito pelos limites do planeta.

Conseguiremos potenciar uma nova realidade que nos proteja das crises atuais e futuras, alterando um funcionamento da sociedade que tem posto em causa a sobrevivência da humanidade?

A principal ameaça é não fazermos uma leitura séria, rigorosa e cientificamente sustentada das crises que atravessamos – climática, de biodiversidade e de sobre-exploração dos recursos.

Incêndio em Linhares da Beira, Celorico da Beira, 11 de agosto de 2022 | Foto EPA/NUNO ANDRÉ FERREIRA
Incêndio em Linhares da Beira, Celorico da Beira, 11 de agosto de 2022 | Foto EPA/NUNO ANDRÉ FERREIRA

É possível concretizarmos um conjunto de ideias que farão a diferença para um futuro melhor e mais sustentável se percebermos que um melhor ambiente é decisivo para nos tornarmos mais resilientes. Os desafios que se colocam a Portugal, à União Europeia e ao Mundo são muito exigentes, quer pela sua urgência, quer por se ter de alterar na sua estrutura a forma como produzimos e consumimos.

É crucial promover a transição do país para a sustentabilidade e torná-la prioridade determinante das políticas públicas. É fundamental acelerar a transição para um modelo económico compatível com os limites planetários, que são o garante da nossa existência. É necessária uma reflexão profunda sobre este processo, dando prioridade a uma Economia do Bem-Estar – uma economia ao serviço das pessoas e das comunidades, potenciando uma atividade económica que maximiza os impactes positivos e minimiza os negativos, sempre com respeito pelos limites do planeta.

Temos de aumentar o sentimento de comunidade e interajuda, principalmente junto dos mais vulneráveis. Precisamos de promover uma economia de base local e nacional, com uma lógica circular, incluindo a possibilidade da reparação e da reutilização como promotoras do emprego local e regional e de redução dos níveis de consumo, aumentando a reutilização e o reaproveitamento de bens existentes, através de redes colaborativas de troca.

Fundamental é também a aposta na suficiência do consumo e não apenas a ênfase na eficiência. Na energia, devemos incentivar o aproveitamento das energias renováveis. Na construção, dar prioridade à reabilitação.

Em 2015, nas Nações Unidas, aprovaram-se 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável e uma Agenda para 2030. Foram traduzidos por cinco palavras, todas começadas por “p” – Pessoas, Planeta, Prosperidade, Parcerias e Paz. Sem paz não há futuro e todas as crises se agravam. Mudemos de rumo porque é urgente salvar a Terra.

Francisco Ferreira

Francisco Ferreira,

Presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, uma organização não-governamental de ambiente com atividade nacional, professor e investigador no Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-NOVA). Antigo dirigente da QUERCUS.

Foto da Capa: Fonte da Nogueira. Jardim da Sereia, Coimbra. Foto MSA 2022

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