TEMPO DA CRIAÇÃO: Paisagens do nosso contentamento?…

No rescaldo dos incêndios dramáticos de 2017 o Governo aprovou uma lei que obriga os proprietários a procederem à limpeza dos seus terrenos, segundo umas regras minimalistas.

A realidade, porém, aponta para a necessidade de uma limpeza geral e completa, que deixará os campos num deserto de vegetação e consequentemente de vida natural. Terá um impacto ambiental semelhante ao de um fogo, sem pôr, no imediato, em risco as vidas humanas.

Há que recuar umas décadas para compreender algumas causas mais remotas. Depois do 25 de Abril, acentuou-se a migração das zonas rurais para os centros urbanos. Ao fim de algum tempo, em grande parte do interior do país prevalecia uma população envelhecida com redução da capacidade de gestão do território. As políticas florestais, em particular a triste ideia de o eucalipto ser o nosso “petróleo verde”, levaram-nos a extensas monoculturas de uma espécie que é extremamente inflamável.

Acresce que a nossa floresta é acima de tudo composta de pequenas propriedades privadas o que torna a situação complexa, ainda mais porque bastantes proprietários já não são os originais, mas herdeiros, espacialmente distantes e sem lembrança nem conhecimento do terreno e do que está presente.

Como tomar esta mistura inflamável e garantir uma boa gestão florestal, com retorno financeiro, salvaguarda de vidas e bens e proteção e incremento da biodiversidade?

Não há uma solução fácil, não, e é essencial um ingrediente que parece cada vez mais escasso: solidariedade!

Solidariedade intra e interfamiliar, porque proteger o bem comum requer sempre “sacrificar” algum bem particular – que deverá receber a devida compensação.

Solidariedade intergeracional também porque um processo destes levará muitos anos a dar frutos e, na era do instantâneo, nem todos vêem para além do imediato.

Solidariedade intermunicipal, porque um autarca, que deseja, naturalmente, o melhor para o seu município, tem de ter presente que não se trata de um território isolado e que as decisões da sua gestão, e reciprocamente as dos outros em redor, acabam por afetar todos os municípios.

Mais necessária ainda é uma comunhão de propósito! Só com uma ideia partilhada e assumida por toda a comunidade será possível proteger tanto os bens como a biodiversidade.

Seca junto à foz da Ribeira de Alge com o Rio Zêzere, fevereiro de 2022. Foto PAULO NOVAIS/LUSA.
Seca junto à foz da Ribeira de Alge com o Rio Zêzere, fevereiro de 2022. Foto PAULO NOVAIS/LUSA.

Condomínio de Aldeia

Vale a pena conhecer o programa do Fundo Ambiental chamado Condomínio de Aldeia. Este visa a reconversão de territórios como matos ou floresta para outros usos, segundo parâmetros definidos e com objetivos de longo alcance, contando com uma dotação orçamental que, por exemplo, para 2022 foi de 17,5 M€. Cabe às autarquias um papel mobilizador e coordenador de todo o esforço popular. Mas é também uma oportunidade para as comunidades se unirem em volta de um projeto comum. Apela-se em especial às diferentes comunidades de fé, já que solidariedade e comunhão têm grande significado espiritual. Poderiam, localmente, propor uma candidatura com vista a proteger a sua aldeia e a biodiversidade, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes.

No próximo ano? Porque não trabalharem desde já para uma candidatura em 2023? Envolvendo trabalho voluntário e comunitário, num verdadeiro espírito de partilha e entreajuda, obteriam ao mesmo tempo os benefícios que o trabalho em conjunto traz ao fortalecimento das relações interpessoais.

Afinal, amar o próximo é o segundo mandamento mais importante de todos! Cuidar do espaço à volta das vilas e aldeias é um ato de amor para com as pessoas e a criação, um ato profético porque aponta para uma nova terra e um ato de adoração ao Deus Criador dos Céus e da Terra.

Nota: Este texto é uma síntese do artigo mais desenvolvido e ilustrado que o autor tem publicado em
https://arocha.pt/pt/2022/08/11/paisagens-do-nosso-contentamento/

Marcial Felgueiras

Marcial Felgueiras

Diretor Executivo de A Rocha, organização internacional cristã dedicada à conservação e proteção ambiental, mestre em Engenharia Agrícola.

Foto da Capa: Parque Nacional do Circeu, Sabaudia, Itália, Foto MSA 2022.

Related Images:

%d