No dia 11 de outubro de 2020, o artigo semanal de Frei Bento Domingues no jornal Público, intitulava-se “Nada de novo. Tudo novo.”
Diante do texto preparado por Francisco em íntimo diálogo com o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, o frade dominicano escrevia sobre a encíclica Fratelli Tutti e sobre a sua novidade: “Quem segue, com cuidado, o itinerário do Papa Francisco, pode dizer que não há nada de novo nesta encíclica. Seria, no entanto, uma visão superficial, apressada. […] A sensação, ao meditar este documento, foi a de uma narrativa em que tudo me parecia novo”.
Como teólogo, a escrita pedagógica e exemplificativa de Bento Domingues é cara a muitas gerações de portugueses, cristãos e não cristãos. Ele usa a linguagem mais simples e os exemplos mais próximos, e coloca-se no meio de nós, a conversar sobre o espanto e as dúvidas, a chamar à ação por causa de e segundo Jesus Cristo. Por isso, no texto que agora cito, o jogo de palavras sobre o que, não sendo novo, é-o totalmente, é um jogo de filigrana linguística e retórica com um propósito claro.
Não há equívocos. Para Bento Domingues a palavra de ordem é novo. E o novo não é o contrário de velho (não escreve nenhuma palavra que se apresente por contraste) nem de antigo; não é sinónimo de novidade ou surpresa.
Tudo novo é um programa de ação a partir daquilo que já conhecemos; nada de novo, portanto. Não é um programa inventado pelo colunista, mas pedido pelo Papa Francisco a partir dessa “teologia de correlações surpreendentes entre os textos bíblicos e as realidades atuais, que mutuamente se iluminam”.
Recordei-me deste artigo ao pensar em janeiro, o mês que vem. Olhava para o futuro próximo, outra vez chegados à viragem do ano, e antecipava um certo esgotamento nas propostas, nos temas da nossa vida que partilhamos nestas páginas.
Em conjunto com um amigo, pensámos: precisamos disto! Desta reorientação para renovar o nosso modo de ler o mundo. Porventura, para renovar o nosso alento diante do mundo, olhando, afinal, para o que há muito nos é familiar.
Não precisamos de outros temas, de outras missões. Só há uma missão e Jesus é a Missão. O que necessitamos urgentemente é de sentir que é tudo novo, embora os temas sejam os de sempre: amar o próximo, dar(-se), olhar e ver o outro, estender a mão, saciar a sede, perdoar, acompanhar, ir ao encontro, cuidar da Casa Comum, etc., etc. Que longo e venturoso etc….
Ainda no mesmo artigo, Frei Bento esclarece como devemos encarar a cruz que nos identifica:
a cruz está inscrita no coração da fé, não como apologia perversa do sofrimento, mas como protesto contra o sofrimento dos inocentes, das vítimas dos poderes económicos, religiosos, sociais, políticos, militares e, sobretudo, do vasto mundo da indiferença, mesmo no coração das famílias. O amor do sofrimento é doença; sofrer por causa da libertação dos oprimidos e excluídos e na luta contra a solidão e pobreza impostas é o mais belo fruto da gratuidade do amor. É fonte de alegria.
Entreabrindo as portas a 2022, desejo que sejamos todos mulheres e homens corajosos, que possamos sentir o ímpeto do novo e que saibamos de novo protestar contra o sofrimento, contra a pobreza, contra a indiferença. Será, quiçá, um reencontro com a alegria essencial do ser cristão.