“Adoro te devote, latens Deitas” – “Devotamente Te adoro, ó Divindade escondida”. É o incipit (início) de um antigo hino de adoração ao Santíssimo Sacramento do grande teólogo e poeta São Tomás de Aquino.
O mês de Junho caracteriza-se, para além das festas e arraiais dos Santos populares, pela solenidade do Corpo de Deus. Bem sabemos quão sugestiva e significativa é a procissão que enche de devoção e cânticos as nossas cidades e aldeias, com colchas às janelas e tapetes de flores na via pública. Parece que o COVID-19, invisível e perigoso, queira prevalecer, neste Junho de 2020, sobre “a Divindade escondida” nas aparências do pão e do vinho.
Contudo, quero pensar que não é assim. Surgiram-me, nestes dias, algumas imagens, carregadas de simbolismo e força transcendente, mesmo no meio da fragilidade.
A primeira é de 28 de Março e dos dias seguintes. O Papa Francisco que abençoa a cidade de Roma (urbi) e o mundo inteiro (orbe) erguendo a custódia com o Santíssimo Sacramento, numa praça de São Pedro vazia, mas cheia da presença espiritual dos fiéis através dos meios de comunicação social. Uma bênção onde a Eucaristia – Verbum Panis – ilumina as trevas! Gesto repetido por vários bispos de Portugal e do mundo, que saíram em dia de Páscoa, para abençoar a cidade e os seus habitantes, como aconteceu na ponte D. Luís, na cidade do Porto.
Mais atrás, no tempo, encontramos dois ilustres santos da família franciscana: Clara de Assis e António de Lisboa.
Santa Clara – vejam bem! – uma mulher, que se apresenta ao pé da porta da igrejinha de São Damião, segurando a custódia do Santíssimo Sacramento, para defender o seu mosteiro e a cidade de Assis das incursões dos sarracenos.
Ainda hoje, aquele evento, está gravado na memória dos habitantes de Assis, agradecidos a esta mulher que fez da clausura um lugar de luta contra os males e as injustiça do seu tempo.
Santo António, ainda mais arrojado, leva o Santíssimo para a praça diante das bestas: o herege e a mula. O episódio aconteceu em Toulose, no sul da França, onde António pregava fazendo frente a vários movimentos heréticos. Após longa discussão sobre a presença do corpo de Cristo na Hóstia, este herege anónimo, perde a paciência e desafia o nosso Santo com uma aposta ridícula: levar-lhe a mula, depois de três dias em jejum, no largo diante da igreja.
Santo António aceitou o desafio e, no dia escolhido, o descrente chegou com a sua mula que por três dias tinha sido mantida em jejum.
O homem, todo convencido, colocou-se no meio da praça com um cesto bem cheio de feno, para que todos vissem bem. Mas quando o santo e humilde frade saiu da igreja, caiu um grande silêncio e todos ficaram assombrados com aquilo que acontecia: a mula, perante a custódia do Santíssimo, descurando a forragem, curvou-se e ajoelhou-se, com grande humildade, diante da Hóstia sagrada.
De repente dois seres adoravam a Eucaristia: a mula e a “besta” do seu dono.
Épocas diferentes, todas unidas pela força dos gestos, onde o que parece frágil e humanamente incompreensível, afinal contém a força e o amor de Deus.
Por isso, São Tomás pode cantar: Quia Te contemplans totum deficit. Ao contemplar-Te tudo desfalece.
Sim, tudo se desfaz: o medo, as dúvidas, a insegurança, as trevas, a desconfiança, o ódio, os ressentimentos, as mágoas e as angústias, o desespero e tantas outras negatividades. Tudo podemos colocar na presença de Jesus sacramento do Amor de Deus.