CONTRA a pena de morte… em qualquer circunstância!

É um privilégio e uma oportunidade ser testemunha de uma Igreja peregrina capaz de dar passos. Não se trata tanto de mudar de opinião no essencial, mas de ‘encontrar melhor formulação’ e aprofundar sentidos mais coerentes com o evangelho.

Neste contexto, gosto de retomar as palavras do grande teólogo alemão, Karl Rahner, quando diz que uma definição dogmática é, não só um resultado ou uma conclusão que oferece precisão e clareza, mas, sobretudo, um início ou um ponto de partida que tenta ‘dizer’ o inefável.

O Evangelho precisa das nossas mãos

O evangelho e, sobretudo, a sua concretização é um processo sempre inacabado, incompleto, a precisar das nossas mãos e da nossa entrega… um permanente ponto de chegada e um ponto de partida. Uma espécie de ‘aeroporto’ de onde aterramos e de onde levantamos voo.

Falo de tudo isto a propósito de uma pequena-grande alteração à formulação do Catecismo da Igreja Católica (CIC) à cerca da Pena de Morte.

Uma pequena-grande alteração

Concretamente, no dia 1 de agosto, o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, publicou, a pedido do Papa Francisco, uma alteração ao número 2267 do CIC.

Onde antes se dizia “A doutrina tradicional da Igreja (…) não exclui o recurso à pena de morte, se for esta a única solução possível para defender eficazmente vidas humanas de um injusto agressor”.

Alterou-se para “A Igreja ensina, à luz do Evangelho, que ‘a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa’, e empenha-se com determinação a favor da sua abolição em todo o mundo”.

Claro que a Igreja sempre foi a favor da vida humana e a considerou inviolável e dom, contudo, onde antes admitia raras exceções, hoje, assume-se totalmente contra em todas as situações e, sobretudo, assume o seu empenho a favor da sua abolição em todo o mundo.

Para percebermos melhor a importância e enquadramento desta questão temos que sublinhar vários aspetos. Desde logo a formulação anterior do CIC é de 1993 e ao longo destes anos ‘a conscientização sobre a inadmissibilidade da pena de morte cresceu’, quer em muitos sectores da sociedade, quer dentro da própria reflexão teológica. A re-leitura e a incarnação do evangelho ‘exige’ esta valorização ‘absoluta’ da vida humana.

Temos que considerar que, infelizmente, ainda há, hoje, muitos países que têm a possibilidade de aplicar a pena de morte e outros que exercem essa possibilidade.

Segundo alguns dados da Amnistia Internacional, pelo menos 676 pessoas morreram em 2011, vítimas de execuções oficiais por estados, enquanto outras 18.750 continuavam a aguardar o cumprimento da pena de morte em todo o mundo. Temos que juntar a estas, ainda, as execuções ilegais ou não oficiais. Os países que atualmente mais penas de morte executam são: China, Irão, Arábia Saudita, Iraque, Estados Unidos, Iéman, Coreia do Norte.

A pena de morte no mundo Fonte: http://150anosdaabolicaodapenademorteemportugal.dglab.gov.pt/
A pena de morte no mundo
Fonte: http://150anosdaabolicaodapenademorteemportugal.dglab.gov.pt/

Portugal pioneiro

Não deixa de ser interessante saber que Portugal foi o primeiro Estado soberano da Europa a abolir a pena de morte, em 1867. Tratou-se de um grande passo e um grande exemplo de defesa dos direitos humanos e da afirmação do valor da vida. Neste processo, a Universidade de Coimbra esteve na linha da frente e na fundamentação e defesa da abolição. Por isso mesmo, no ano passado a Faculdade de Direito promoveu a celebração dos 150 anos da abolição da Pena de Morte em Portugal.

Por tudo isto, a Igreja católica, ao fazer esta ‘correção’ no seu Catecismo, reforça o evangelho da vida em todo o mundo e a perceção de que cada vida é um dom; mesmo quando se erra, o perdão e a misericórdia podem levar à conversão. Esta alteração, como reforçou o Prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé, ‘expressa um autêntico desenvolvimento da doutrina, que não está em contradição com os ensinamentos anteriores do Magistério’.

Matar uma pessoa é fechar todas as possibilidades de conversão, é fechar definitivamente a porta da misericórdia… Há outras possibilidades de correção e os estabelecimentos prisionais deviam (infelizmente nem sempre são) ser esse lugar de ‘refazer’ vidas. Deixemos que a esperança e a misericórdia continuem a vencer o ódio e a vingança… que o perdão e o amor vençam a morte.

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