Se olharmos para a forma como os populismos de direita e de esquerda vão ganhando terreno, urge perguntar como percorrer caminhos de DIÁLOGO face a todas estas correntes que nos remetem para a nossa bolha e nos querem fazer esquecer aqueles de quem precisamos de nos tornar próximos.
O Papa Francisco aborda, a partir da parábola do Samaritano na Fratelli Tutti, um conjunto de referências para uma prática fraternal, sem fonteiras:
Digno de nota é o facto de as diferenças entre as personagens na parábola ficarem completamente transformadas ao confrontar-se com a dolorosa aparição do caído, do humilhado. Já não há distinção entre habitante da Judeia e habitante da Samaria, não há sacerdote, nem comerciante; existem simplesmente dois tipos de pessoas: aquelas que cuidam do sofrimento e aquelas que passam ao largo; aquelas que se debruçam sobre o caído e o reconhecem necessitado de ajuda e aquelas que olham distraídas e aceleram o passo. De facto, caem as nossas múltiplas máscaras, os nossos rótulos e os nossos disfarces: é a hora da verdade (FT 70).
E no nº 81
Fazer-se presente a quem precisa de ajuda independentemente de fazer ou não parte do círculo de pertença… assim já não digo que tenho próximos a quem devo ajudar mas que me sinto chamado a tornar-me eu um próximo dos outros.
Esta visão universal está subjacente ao longo de toda a encíclica e em relação ao diálogo é notória a visão inclusiva e abrangente da Fratelli Tutti, mas de um modo especial no articulado do capítulo VI.
O diálogo “entre gerações, o diálogo no povo, porque todos somos povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade” (FT 168).
A “cultura do encontro” poderá ajudar a descobrir a “unidade do poliedro” e haverá então lugar para as diferentes visões da vida e do mundo. Só por aí entraremos num mundo inclusivo e não exclusivo. Haverá lugar para a diferença, percebendo-se como centro a pessoa e não as visões pessoais. Neste caminho de diálogo vamos encontrar-nos não só com as igrejas cristãs e com outras experiências religiosas, mas também com outras visões do mundo onde Deus está ausente.
Do diálogo ecuménico ao diálogo inter-religioso e ao diálogo interconvicções. Três etapas de um processo desafiante para o diálogo pleno entre os humanos, no respeito profundo pelas memórias e tradições e pelo apelo último à liberdade de pensar e de viver.
O diálogo de interconvicções nasce com um grupo francês chamado G3i, composto por “pessoas de diferentes religiões, convicções e culturas”, com o objetivo de “refletir sobre os problemas da coesão social e da laicidade, numa Europa multicultural e multiconvicções”.
Na sua vocação de abrir pontes para todos os olhares, o Vaticano II tinha aberto essa porta que permanece bem clara na saudação de Paulo VI aos homens do pensamento e da ciência. É, já, um fermento dessa nova forma da Igreja se posicionar no mundo:
Não podemos, pois, deixar de vos encontrar. O vosso caminho é o nosso. As vossas veredas não são jamais estranhas às nossas. Nós somos os amigos da vossa vocação de pesquisadores, os aliados das vossas fadigas, os admiradores das vossas conquistas e, se for preciso, os consoladores dos vossos desânimos e dos vossos fracassos.
Também para vós temos uma mensagem, que é a seguinte: continuei a procurar, sem desanimar, sem nunca desesperar da verdade. Lembrai-vos da palavra de um dos vossos grandes amigos, Santo Agostinho: “Procuremos com o desejo de encontrar, e encontraremos com o desejo de procurar ainda mais».
Felizes os que, possuindo a verdade, a procuram sem cessar, a fim de a renovar, de a aprofundar, de a dar aos outros.
Felizes os que, não a tendo encontrado, caminham para ela com um propósito sincero: o de procurarem a luz do amanhã com a luz de hoje, até à plenitude da luz.
Foto da capa: VI Festival Internacional de Balões de Ar Quente, Parque Nacional de Eshkol, deserto do Negev, Faixa de Gaza, 2017. Foto: EPA / Abir Sultan.
Grupo Internacional, Intercultural e Interconviccional (G3i)
O diálogo de interconvicções é fruto de um movimento europeu contemporâneo, que começou com um grupo francês chamado G3i, composto por “pessoas de diferentes religiões, convicções e culturas”, com o objetivo de “refletir sobre os problemas da coesão social e da laicidade, numa Europa multicultural e multiconvicções”. Além de pessoas que se declaram participantes de diversas tradições religiosas, também inclui ateus, sem-religião, agnósticos, humanistas, etc.
Segundo Bernard Quelquejeu, um dos fundadores do movimento:
Muito rapidamente, durante nossos encontros, entendemos que a expressão “diálogo inter-religioso” não nos convinha, pois excluía aqueles de nós que não se reconhecem como pertencentes ou referentes a uma religião estabelecida: começamos a falar sobre nossas respectivas convicções, de grupos de convicções e a nos compreender como praticantes de um “diálogo de interconvicções”.
QUELQUEJEU, 2012, p.2)
De acordo com François Becker, a expressão “interconvicções” também vai mais além do “inter-religioso, porque esses confrontos dizem respeito a pessoas que podem ter convicções muito distantes de qualquer forma de religião, porque podem estar em campos políticos, sociais ou culturais muito diversos”.
Ao mesmo tempo, afirma não ser apenas uma “constatação estática” da existência de uma multiplicidade cultural ou de cultos. Descrito como ‘inter’ e não ‘pluri’, consiste em estimular encontros, debates e práticas que permitam às diferentes convicções expressarem-se, através de trocas e de confrontos, tendo como única condição o respeito recíproco dos interlocutores.
Isso quer dizer que a prática, o exercício dialógico, a própria ação, é uma característica importante desse movimento, que não se satisfaz com o diálogo pelo diálogo, mas consiste em ter um objetivo, um impacto social.
O Diálogo de Interconvicções. Artigo de Rita Macedo Grassi, in http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591719-o-dialogo-de-interconviccoes