Jovens… e a receção do Sínodo – 1

Tal como “anunciado” no último artigo, iniciamos neste mês de Março um percurso de leitura do “Documento final” do último Sínodo dos Bispos.

O “pré-texto”: duas notas

Uma nota prévia tem a ver precisamente com esta questão da “letra” e do “espírito” do Documento: não tendo sido possível aceder às intervenções individuais dos Padres e demais peritos nas congregações gerais, tivemos todos, no esforço de acompanhamento dos trabalhos, que nos ater aos textos-síntese (“Relatórios”) dos chamados “círculos linguísticos” para ir percebendo o “espírito” em que estes iam decorrendo (no caso do Grupo da Língua Portuguesa – “Circulus Lusitanus”, felizmente disponibilizados pelo Departamento Nacional da Pastoral Juvenil no seu site: http://www.dnpj.pt/sinodo-dos-bispos/). Tais textos, sendo necessariamente “de compromisso”, visavam sintetizar as diferentes aportações, certamente fundadas em argumentários igualmente válidos. Valem, portanto, como “pontos de situação”… mas deixam igualmente alguns espaços vazios quanto à compreensão mais profunda do teor e “gravidade” das discussões (esta última manifestada pelas votações finais do documento, tema a que regressarei). Não obstante, da análise destes foi ainda assim possível perceber a “objetividade” e “pertinência” dos temas (letra) e igualmente (algum d)o sentido (espírito) das discussões.

Outro dado “contextual” curioso que muito provavelmente também explica alguns dos “resultados” do Sínodo tem a ver com o facto de se ter formado, a determinada altura, um verdadeiro lobby a solicitar a admissão ao voto das freiras superioras de ordens religiosas presentes, à semelhança (em paridade) com os seus colegas homens superiores de ordens masculinas… Sabemos que tal pretensão não foi acolhida… mas é de admitir que tal possibilidade tivesse levado a outros resultados nas votações finais…

O texto: da materialidade à semântica

Chegado o Documento às nossas mãos, rapidamente nos apercebemos de que estamos diante de um texto muito longo: dividido em 3 partes, com 4 capítulos cada, num total 167 parágrafos, estende-se, em língua portuguesa e numa formatação minimamente “habitual”, por cerca de 60-70 páginas A4… Tal extensão textual constitui, desde logo, uma particular dificuldade à hora de promover a sua leitura e compreensão por parte daqueles a quem se destina, fator que exigirá um esforço suplementar das estruturas e agentes de Pastoral Juvenil em ordem à sua “receção” e “aplicação” junto dos jovens (animadores-responsáveis), nomeadamente mediante o recurso a formas inovadoras de divulgação, aprofundamento e operacionalização dos conteúdos e desafios nele lançados, se quisermos ser fiéis e consequentes com o seu “espírito”.

Outro dado interessante a registar é a estrutura e a relação estabelecida (e mesmo sublinhada) entre este texto “conclusivo” e os trabalhos/iniciativas que o precederam. Assim, e recuperando a estrutura do “Instrumentum laboris” (definido como “o ponto de referência e sintético destes dois anos de escuta” – nº 3), este “Documento final” é apresentado como “o fruto do discernimento realizado [que]  recolhe os núcleos temáticos generativos sobre os quais os Padres sinodais se concentraram com particular intensidade e paixão. Por isso (…) o Documento final será um mapa para orientar os próximos passos que a Igreja é chamada a seguir” (idem), articulação que impede, desde logo, uma leitura “isolada” de cada um destes enunciados.

Outro elemento realçado pelos comentadores (e mesmo pelos participantes-delegados no Sínodo) foi o de este ter sido um texto votado praticamente por unanimidade: “acolhido com aplausos” e entendido como “resultado de um trabalho de equipa”, recolhe as 364 formas (emendas) apresentadas. De facto, uma análise mais atenta das votações registadas para cada um dos seus 167 parágrafos/números deixa entrever quão aceso terá sido o debate quando certos temas eram colocados em cima da mesa. Focando o nosso olhar naqueles enunciados que obtiveram um grau superior de reprovação (non placet), temos, à cabeça, o parágrafo 150 (“Sexualidade: uma palavra clara, livre, autêntica (bis)”), seguido dos nºs 121 e 122 (sobre “A forma sinodal da Igreja”), depois o atrás citado nº 3 (acerca d’“O Documento final da Assembleia sinodal” e finalmente o nº 39 (sobre “As perguntas dos jovens” no que respeita ao “Corpo e afectividade”, temática do Cap. III da I Parte). Em suma: a sexualidade (outra vez…), a sinodalidade (hélas!), a “voz” dos jovens a serem, objetivamente, os “temas quentes” de um Sínodo que se definiu e apresentou como de, para, pelos e com os ditos(!)! Mais sentido têm, assim, as palavras do Papa (assinaladas também no nº 3 do Documento) quando insistia em que “O Sínodo ainda não acabou…”. Aliás, no seu discurso de encerramento, Francisco apresentou duas “disposições essenciais” para a sua leitura: a primeira consistiria em pedir o auxílio do Espírito Santo; a segunda em lê-lo como se ele tivesse sido escrito para cada um de nós. Só assim, tomando parte da sua reflexão e assumindo como nossos os seus desafios é que se poderá desejar a efetiva (e desejada) “mudança de rumo” de que o documento pretende ser “mapa”.

Do consenso ao compromisso

Concluindo este primeiro introito, torna-se evidente que estamos diante de um documento que podemos considerar de consenso alargado e de compromisso exigente: o primeiro não dilui nem anula nenhuma das múltiplas visões e argumentos (que a seu modo enformam a “catolicidade” eclesial); o segundo é sobretudo de fidelidade, não só nem apenas à “letra” mas antes de mais ao “espírito” sinodais, enunciado antes, durante e depois dos trabalhos em Roma. Só assumindo esta sua “circunstância programática” se evitará o esboçar de linhas de ação/aplicação não inscritas nem reconhecidas como património de todo o Sínodo.

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