O milagre da bilha

A tradição de Santo António como santo casamenteiro difundiu-se sobretudo a partir do século XIX, associada à popularidade crescente de Santo António nas cidades e das festas de junho.
As práticas festivas relacionadas com São João estendem-se cada vez mais a Santo António e as fogueiras, os descantes e as sortes, os cortejos de rapazes e raparigas às fontes e aos campos nas noites das vésperas das festas, marcam o ritmo do início do verão.

É aqui que o milagre da bilha adquire esse carácter atrevido e brejeiro atribuído ao jovem Santo António, que inocentemente rouba um beijo às raparigas e a que Bordalo Pinheiro tantas vezes recorre na sua crónica de costumes.

Mas nem sempre foi assim. O milagre da bilha, relatado no século XVII por D. Rodrigo da Cunha na “História Eclesiástica da Igreja de Lisboa” apresenta-nos um jovem Santo António piedoso e caritativo, protagonista de um milagre que se assemelha ao realizado por São Bento, quando criança, que recompõe a peneira de barro que a sua ama pedira emprestada e quebrara acidentalmente:

Vindo certa moça de servir do chafariz com um pote de água, tirando-o da cabeça, para descansar dos degraus da Sé, ou fosse por desastre, ou por travessura de algum que passava, o pote caiu e fez-se em pedaços; chorava a moça irremediavelmente a perda, lastimando-se do que a senhora em casa lhe faria, vendo-a entrar sem pote e sem água; ouviu-a o santo moço, e não se achando com dinheiro que lhe pudesse dar para outro, perguntando-lhe a causa de suas lágrimas, ia entretanto apanhando os pedaços do cântaro, como quem o queria inteirar, tendo-o feito, disse para a moça, que não chorasse, que o seu pote estava são e cheio de água, que se fosse embora com ele para casa, sem temor da senhora, que tanto arreceava.

O prazer de ver-se livre do castigo, que temia, fez que não advertisse por então mais, que em seguir seu caminho, porém depois considerando na maravilha, a divulgou pela cidade, com grande crédito do santo moço.


Foto da capa: O milagre da bilha, Acelino de Carvalho, Fábrica Bordallo Pinheiro,c. 1908, barro pintado, Museu de Lisboa – Santo António, MA.CER.78

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