Que sentido para o Dia Mundial do Pobre?

Os pobres incomodam, chateiam, sujam, cheiram mal, criam insegurança… O melhor era serem levados para longe − dizem muitos. Mas adverte o ditado popular: ‘longe da vista, longe do coração’.

Talvez por isso o Papa Francisco esteja tão atento a eles. Porque não os afasta, porque não os ‘ignora’. Vai à procura deles, procura conhecê-los e, por isso, trá-los no coração: ele distribuiu sacos de cama, pagou idas ao circo, permitiu acesso gratuito ao museu do Vaticano, arranjou casas de banho, arranjou cabeleireiro gratuito…

Onde muitos dos grandes e dos líderes procuram distância, o Papa procura proximidade e contacto; onde muitos se lamentam e se queixam, ele procura soluções; onde muitos falam de grandes soluções, articuladas e muito estruturadas, ele procura pequenos passos.

É outro método, é outra abordagem… mas desconcertante e mais implicativa. Afinal, pequenos passos todos podemos dar.

II Dia Mundial do Pobre, dia 18 de novembro de 2018

É neste contexto que podemos falar do II Dia Mundial do Pobre, dia 18 de novembro de 2018. Este dia, instituído pelo Papa Francisco, terá por inspiração a frase: “Este pobre grita e o Senhor o escuta” (Sl. 34,7).

Mas de que pobreza falamos quando falamos de pobreza? Quem são os pobres? Ainda há pobres? Claro que sim!

O Papa na sua mensagem fala-nos dos que andam ‘com o coração despedaçado pela tristeza, pela solidão e pela exclusão’; dos que são ‘espezinhados na sua dignidade’; dos que são ‘perseguidos em nome de uma falsa justiça’; dos que são ‘oprimidos por políticas indignas desse nome e atemorizados pela violência’.

Estas pobrezas assumem vários rostos e revelam muitas consequências: “falta de meios elementares de subsistência, a marginalidade quando se deixa de estar no pleno das próprias forças de trabalho; as diversas formas de escravidão social”; a falta de sentido para a vida; a falta de uma família estruturada; a falta de estabilidade emocional e de equilíbrio afetivo…

Nestas pobrezas revemos muitas das pobrezas que nos habitam e que habitam a nossa sociedade.

Neste contexto, o Papa recorda-nos o Salmo 34, onde “emerge o sentimento de abandono e de confiança num Pai que escuta e acolhe. (…) Com efeito, ninguém pode sentir-se excluído pelo amor do Pai”.

O salmista diz que o pobre grita e que o Senhor o escuta. Talvez possamos dizer que o pobre continua a gritar e o Senhor quer continuar a escutar cada um deles através de cada um de nós.

Gritar, responder e libertar

Deste modo, o Papa sublinha três verbos a partir da frase escolhida: gritar, responder e libertar.

Na sua mensagem, começa por lançar um desafio: “Num Dia como este, somos chamados a fazer um sério exame de consciência, de modo a compreender se somos verdadeiramente capazes de escutar os pobres”.

Que fazemos nós para escutar os pobres, para os conhecer, para saber dos seus desejos?! É sempre mais fácil dar uma moeda, dar roupa ou comida… Conhecer incomoda e, sobretudo, compromete. O Papa adverte: “se falamos demasiado, não conseguiremos escutá-los”.

Não podemos deixar de reconhecer que há muitas associações, organismos, estruturas que dão apoio aos mais pobres. São um trabalho altamente meritório que merece todo o reconhecimento e o reconhecimento de tantos homens e mulheres, jovens e adolescentes que aí fazem voluntariado.

No entanto, também não podemos ignorar o risco de que muitas “iniciativas (…) estejam mais orientadas para nos satisfazer a nós mesmos do que para acolher realmente o grito do pobre”. Fica bem na fotografia e no Curriculum Vitae.

Quantas vezes a pobreza é instrumentalizada e ‘aproveitada’ como um recurso para outros ganhos?!

Foto ‘Médicos Sem Fronteiras’. Últimos momentos a bordo do Aquarius antes do desembarque em Valência, Espanha, 17 de junho de 2018.
Foto ‘Médicos Sem Fronteiras’. Últimos momentos a bordo do Aquarius antes do desembarque em Valência, Espanha, 17 de junho de 2018.

Mas que resposta podemos dar a esse grito, como podemos ir ao encontro das suas necessidades? A realidade é sempre tão complexa e tão diferenciada, as respostas são sempre tão frágeis e tão parciais, os processos são sempre tão lentos e tão imprevisíveis…

O Papa acredita que, mesmo sendo ‘uma gota de água no deserto’, “o Dia Mundial dos Pobres pretende ser uma pequena resposta que, de toda a Igreja, dispersa por todo o mundo, é dirigida aos pobres de todos os tipos e de todas as terras para que não pensem que o seu grito tenha caído no vazio”.

Este procurar responder ao grito do pobre exige um último passo: libertá-lo das amarras da pobreza. O próprio Papa já tinha dito na Evangelii Gaudium: “Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres” (EG 187).

O desejo do Papa é o de que nas dioceses, este Dia, enquanto ‘momento privilegiado de evangelização’, seja “celebrado com a marca da alegria pela redescoberta capacidade de estarem juntos. Rezar juntos em comunidade e partilhar a refeição no dia de domingo”.

E nós como vamos viver esse dia? Como o vamos programar nas nossas comunidades e nas nossas realidades locais?

Seja o que for que seja com os pobres! Seja o que for que seja a falar com eles e não tanto a falar deles! Seja o que for que seja mais a escutá-los do que eles a ouvirem-nos!

Seja o que for… o dia é deles! Não lhes roubemos o dia com grandes eventos e grandes iniciativas onde eles não ‘estão’ realmente presentes! Não roubemos este dia aos pobres!

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