Os registos da tradição oral são um instrumento importante para compreender a relevância e a antiguidade de tradições e memórias que muitas vezes nem percebemos.
Santo António passou a sua infância e parte da adolescência na região de Lisboa. A tradição popular, rica em narrativas, perpetua em relatos esta vivência, empenhando-se em não fazer esquecer que foi em Portugal que Santo António nasceu e que, já em criança, denunciava que seria especial. Já falámos da história da cruz que Santo António esculpida com o seu dedo na escada de acesso à torre da Sé de Lisboa, mas há muitas outras pequenas histórias.
Um milagre de Santo António
Santo António quando era pequenino, o pai mandava-o guardar os pássaros. Veio o tempo de baptizar seu irmãozito e disse-lhe: − Amanhã tens de ir guardar os pássaros; lá por causa do baptizo tens de ir. Ele foi. Abalou p’ra cerca. E tinha lá um casarão sem porta e sem telhado. Chamou os pássaros todos e meteu-os lá dentro, e pôs-lhe uma grade (de gradar a terra) à porta e foi p’ró baptizo.
Armando de Matos, Santo António de Lisboa na tradição popular (Subsídio Etnográfico). Porto: Livraria Civilização, 1937, pp. 175-176
As travessuras de Santo António em pequeno
Santo António, quando era pequeno, ia à escola, como muitos outros meninos da sua idade. Entre os companheiros havia uma rapariguinha a quem ele sempre procurava acompanhar na ida e na volta para casa. Constantemente se entretinha a desalinhar os cabelos da menina e a fazer-lhe outras inocentes brincadeiras. A mãe da menina é que não gostava dessa amizade e proibia a filha de se sentar perto do Antoninho. Porém, nada conseguia e a linda cabeleira da filha voltava sempre em desordem da escola.
Uma vez, a mulher irritou-se muito e cortou os lindos cabelos contra a vontade da pequena, que os foi esconder num buraco do muro do quintal, enquanto chorava amargurada. No dia seguinte, Antoninho ficou admirado ao ver o aspecto da amiga, muito triste e envergonhada, sem a sua linda cabeleira. Não se preocupou muito ao ouvir as razões que tinham levado ao indesejado corte e, depois da menina lhe dizer onde tinha escondido os cabelos cortados, pediu que lhos trouxesse. Ela assim fez. Com ar travesso e sorridente, o Antoninho colocou-lhos, com tal arte, que ficaram como se nunca tivessem sido cortados. Quando a mãe viu a cabeleira da filha e soube como lhe fora restituída, não pôde conter o seu espanto, acreditou na santidade de Antoninho e nunca mais proibiu à filha que fosse amiga com ele.
Ângela Furtado-Brum, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada: Ribeiro & Caravana editores, 1999, p.84
Atravessando o Nabão
Conta-se em Mação que um dia Santo António estava numa localidade do concelho com sua mãe. Pedindo-lhe esta que fosse buscar lenha para a lareira, o santo atravessou para a outra banda do Tejo, pelo Nabão. À volta, porém, era quase sol-posto, Santo António não viu barca nem barqueiro; o que o deixou preocupado por saber que a mãe o esperava, em cuidados, do outro lado do rio.
Aflito, sem saber o que fazer, levantou os olhos ao Céu e pediu ao Menino Jesus que o auxiliasse naquele transe, e quase imediatamente o Menino apareceu-lhe, dizendo com suavidade:
− Tens aí o feixe de lenha para a senhora tua mãe. Deita-o à água; senta-te nele e, então, eu te servirei de barqueiro e conduzirei o feixe à outra margem do rio.
António assim fez e, momentos depois, com o Menino sentado no braço, aportava ao outro lado, são e salvo, onde se despediu de Jesus, que muito sorridente voltou para o Céu.
Eunice Martins, Lendas de Portugal de Norte a Sul, 2016, pp. 207-208