Santo António: de monge a pregador itinerante

Texto elaborado a partir da apresentação de Luciano Bertazzo, Dizionario Antoniano, Messaggero, Padova 2002


No ano de 1219, em Coimbra, António, quando era ainda Fernando, encontrou pela primeira vez um grupo de frades oriundos do centro de Itália que se preparavam para ir a Marrocos pregar o Evangelho. Este encontro deixou uma marca indelével no ânimo de Fernando, que, ao ver regressar meses depois os corpos desfeitos dos cinco frades menores, não hesitou em pedir algo que andava a remoer no seu íntimo, já há algum tempo, e que iria causar um certo burburinho: trocar o mosteiro de Santa Cruz pela ermida de Santo Antão dos Olivais.

Santa Cruz de Coimbra era o maior centro cultural do reino de Portugal, onde Fernando se tinha formado, tornado sacerdote e um cónego exemplar e culto.

No auge do seu curriculum de monge e sacerdote, Fernando deixou para trás o nome escolhido pelos pais, os títulos académicos alcançados nos mosteiros de Lisboa e Coimbra e iniciou uma nova aventura no eremitério, sito fora do perímetro da cidade universitária de Coimbra.

O seu desejo era ser missionário, ao jeito daqueles frades simples, mas autênticos e jubilosos que tinha encontrado no átrio de Santa Cruz. O martírio (fruto também da ingenuidade franciscana) não assustou o jovem lisboeta, motivado pelo anseio de radicalidade evangélica. Uma radicalidade, até então, estudada nos livros, mas ainda não experimentada no dia a dia. Na colina extra muros dos Olivais, Fernando despe a alba monástica e veste uma túnica simples, semelhante ao traje dos camponeses e peregrinos do seu tempo; revestido de uma nova identidade com o nome do santo eremita do deserto, António, inicia um tempo de noviciado, vivido na prática da vida fraterna, penitencial e itinerante.

Mas no jovem António não tinha adormecido o sonho missionário!

Devia ser tão teimoso que conseguiu deixar para trás Coimbra (como tinha deixado para trás Lisboa) e chegar a Ceuta, na África magrebina. Mas a doença e uma viagem aventurosa afastaram-no quer do sonho missionário, quer da sua terra natal, Portugal. Em 1221, por altura da festividade do Pentecostes, António aparece em Assis no Capítulo Geral (que podemos definir como a grande jornada da juventude dos frades de toda a Europa de então), mas António é, ainda, um ilustre desconhecido.

Sete anos mais tarde, a situação é totalmente diferente: o frade lusitano ocupava entre os Frades Menores um lugar eminente e visível. Podemos afirmar isto, não apenas pelo sucesso da sua pregação e das aulas de teologia aos frades, no sul da França, mas sobretudo porque António foi escolhido como ministro provincial para o norte de Itália e membro da delegação que, em 1230, foi enviada ao Papa Gregório IX para pedir esclarecimentos canónicos sobre o valor do Testamento do Seráfico Pai Francisco e sobre alguns pontos da Regra que causavam discussões acesas no seio da Ordem franciscana.

Depois da canonização de São Francisco, o lisboeta é um dos primeiros santos dos inícios da epopeia franciscana. E não foi graças a Francisco que se converteu à vida minorítica, mas sim graças ao martírio daqueles cinco frades que queriam converter o mundo islâmico: afinal, perderam a cabeça, mas conquistaram para as suas fileiras o santo mais amado no mundo cristão e mais venerado entre os muçulmanos.

1. De qual António falamos?

Retrato de Santo António na sacristia da Igreja / Convento de Santo António dos Olivais, Coimbra.
Retrato de Santo António na sacristia da Igreja / Convento de Santo António dos Olivais, Coimbra.

António foi o primeiro mestre de teologia na Ordem franciscana, deixando uma obra notável (três volumes dos Sermões Dominicais e Festivos) que constitui uma verdadeira mina de doutrina teológica e espiritual, quase uma síntese da tradição patrística do primeiro milénio cristão. Infelizmente, ainda hoje, esta obra é praticamente ignorada mesmo por parte dos licenciados em teologia, para já não falar do povo de Deus.

É preciso, portanto, lançar uma ponte entre as pesquisas dos historiadores e os agentes pastorais de modo a encaminhar a devoção popular dentro da tradição da espiritualidade cristã.

A título de exemplo: fora de Portugal há sectores da Igreja e da pastoral juvenil a destacar a figura de Santo António nos programas de preparação para a Jornada Mundial da Juventude 2022. E por cá? Não basta orgulharmo-nos dizendo que Santo António é um dos santos propostos para a JMJ de Lisboa, é urgente perguntarmo-nos antes que chegue 2022: “qual António?”. O dos casamentos e das sardinhas? Para além do folclore e da tradição popular, há um outro António que precisa ser resgatado.

O Papa São Paulo VI alertava que a religiosidade popular “é frequentemente permeável à penetração de muitas deformações da religião e até de superstições. Fica, muitas vezes, ao nível de manifestações culturais sem empenhar uma autêntica visão de fé” (cf. Evangelii nuntiandi, n. 48).

Na atmosfera de uma renovada evangelização ou de “conversão missionária da pastoral” de que fala o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, que procura redescobrir as riquezas esquecidas do património cristão, somos chamados, como os sábios escribas do Evangelho, a retirar do cofre “coisas novas e coisas velhas” (cf. Mt 13,52).

Também os tempos em que viveu António não eram fáceis para a Igreja: abuso de poder, heresias e corrupção, guerras e inimizades afligiam a cristandade. Todavia, a sua palavra e os seus ensinamentos, mesmo na severidade das reprimendas, não conhecem sombra de desânimo, mas são ocasião de esperança e convidam à conversão, quer dizer à vida nova que confia na infinita misericórdia de Deus.

2. A questão antoniana

São Francisco de Assis e Santo António, óleo sobre madeira de carvalho. Mestre da Lourinhã, trabalho Luso-Flamengo, 1º terço do século XVI. Museu Nacional de Arte Antiga. Foto MSA 2020, na exposição temporária “De Fernão se fez António”, patente no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, durante o Jubileu 2020.
São Francisco de Assis e Santo António, óleo sobre madeira de carvalho. Mestre da Lourinhã, trabalho Luso-Flamengo, 1º terço do século XVI. Museu Nacional de Arte Antiga. Foto MSA 2020, na exposição temporária “De Fernão se fez António”, patente no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, durante o Jubileu 2020.

O consenso de que António goza, podemos dizer desde sempre, no meio do povo cristão, como atestam as fontes hagiográficas, nem sempre encontrou o mesmo entusiasmo entre os estudiosos do franciscanismo. Não faltaram os que criaram oposição entre São Francisco e Santo António: este último, para Paul Sabatier, representaria uma “imensa queda” em comparação com Francisco e a distância entre os dois poderia ser comparável à de Jesus e São Paulo. O primeiro encarnaria o livre carisma da radicalidade evangélica, enquanto o segundo seria o representante da restauração institucional operada pelo papado para com a Ordem franciscana.

Esta interpretação foi corrigida por Raoul Manselli que numa intervenção lúcida afirmou:

A divergência em termos de forma e modos da pregação, que tinha aparecido tão viva e clara e que Sabatier tinha definido injustificadamente como uma imensa queda, é apenas aparente, revelando, aliás, no plano do contexto histórico e da realidade viva da Igreja, uma continuidade plena e uma convergência de ideais, que explicam a admiração e o afeto das primeiras gerações franciscanas para com Santo António que levam ainda hoje o estudioso a considerá-lo não só uma personalidade de relevo, mas sobretudo uma figura essencial e decisiva na afirmação do movimento minorítico.

Falou-se também de um Santo António promotor de um franciscanismo sui generis, como se ele fosse o fundador dos “frades antonianos” e não, como o apresenta a tradição mais autêntica, o socius mais fiel do Poverello, o imitador do pai Francisco, apesar “da óbvia diversidade das personagens, das culturas e das qualidades humanas”.

Para resolver esta questão tão debatida, podem percorrer-se dois caminhos: o primeiro é estudar a imagem de António que as Fontes Franciscanas nos transmitem. O segundo é fazer o balanço sobre a pesquisa historiográfica atual que esclareceu muitas disputas entre o franciscanismo primitivo e a passagem da fraternidade das origens para uma Ordem estruturada, capaz de responder às urgências pastorais da época. Neste contexto, o papel de António, sobretudo depois da morte de Francisco, aparece como determinante.

A imagem de António nas Fontes Franciscanas

A imagem do pregador é, sem dúvida, aquela que mais caracteriza a presença de António. De quinze citações que as Fontes Franciscanas lhe reservam, nove referem-se a esta função. Assim, por exemplo, na Vita Prima, do Celano, escrita por volta de 1229, quando António ainda era vivo, afirma-se que “Deus lhe deu a inteligência das Sagradas Escrituras e o dom de pregar Cristo ao mundo inteiro com palavras mais doces do que o mel”. Na Vita Secunda, o Celano mostra que houve uma evolução no pensamento franciscano relativamente aos pregadores, considerados cada vez mais importantes para as finalidades da Ordem, como aparece na comparação entre o capítulo 17 da Primeira Regra (onde a função do pregador é aceite com muito cuidado) e o capítulo 9 da Segunda Regra que afirma: “Também admoesto e exorto os meus irmãos a que, nos sermões que fazem, seja seu falar ponderado e casto (Sl 11, 7; 17, 31), edificante e útil ao povo, denunciando os vícios e inculcando as virtudes, o castigo e a glória em sermões pequenos, porque também o Senhor fez alocuções breves sobre a terra (Rm 9, 28)”.

O papel de pregador assumido por António nunca é considerado em contraposição aos ensinamentos de Francisco, mas antes em fiel obediência ao mandato recebido. A este propósito há que aludir a dois episódios: o primeiro tem a ver com o início da pregação de António na cidade de Forlì, onde ele toma a palavra, contra a sua vontade, por obediência (cf. Assidua, cap. 9); o segundo é constituído pela chamada investidura conferida por Francisco, que autoriza António a ensinar a sagrada teologia aos frades:

Ao irmão António, meu bispo, o irmão Francisco envia saudações. Tenho gosto que ensines aos irmãos a sagrada teologia, desde que, com o estudo, não se extinga neles o espírito da santa oração e devoção, como está escrito na Regra.

Este bilhete, reconhecido como autêntico, por todos os especialistas, foi escrito entre o final de 1223 e o início de 1224, durante a estadia bolonhesa de Santo António e antes da sua atividade em território francês. Aqui acontece o ponto de viragem decisivo que transforma o nosso Santo em pregador itinerante e primeiro mestre de teologia da Ordem franciscana. Esta viragem não foi uma rotura com os ideais primitivos da Ordem, mas uma orientação que respondia às necessidades pastorais do momento histórico e eclesial, tal como já havia acontecido com os contemporâneos frades dominicanos.

A função confiada pelo próprio Francisco abriu a António o caminho para responsabilidades cada vez mais significativas: primeiro como leitor de teologia, depois como custódio na França, finalmente ministro da província da Lombardia.

Para além do bilhete que o autorizava a ensinar teologia, há outros elementos que confirmam a convergência de propósitos entre Francisco e António.

As Fontes Franciscanas falam várias vezes do episódio da aparição de Francisco durante o capítulo de Arles, enquanto António pregava aos frades sobre o tema da cruz. Tal episódio, origem de famosos quadros pictóricos, é interpretado como o carimbo de aprovação da preparação dos frades para a pregação, formados por homens sábios e santos, como António de Lisboa.

Também na Legenda Maior, de São Boaventura, António é apresentado como “verdadeiro arauto” de Francisco, sobretudo pela sua função de pregador. E nas Florinhas a imagem de António como pregador da igreja é a que mais se afirma, fazendo confluir tradições de fontes anteriores, como o sermão de António aos peixes e o sermão diante do Papa Gregório IX que o proclamou “arca do testamento”.

António torna-se uma pessoa aceite e estimada por todos, como o atesta o seu papel no capítulo geral de 1230, onde António, procurando ser mediador entre as partes, é designado como membro da delegação que vai ser enviada ao Papa para enfrentar o tema quente da interpretação da Regra e do Testamento de São Francisco.

3. As fontes antonianas

Menino Jesus aparece a Santo António, foto Messaggero di Sant’Antonio | Deganello Giorgio, 1995.
Menino Jesus aparece a Santo António, foto Messaggero di Sant’Antonio | Deganello Giorgio, 1995.

Graças ao paciente e indispensável trabalho do Frei Virgílio Gamboso (OFMConv), para a tradução italiana (Pádua 1981) e do frei Henrique Pinto Rema (OFM), para a tradução portuguesa (Lisboa 1996), temos agora a possibilidade de aceder com facilidade à inteira hagiografia antoniana mais antiga, do século XIII até ao fim do século XIV. Ela aparece assim articulada:

  • Vida primeira de Santo António ou Legenda Assidua (cerca de 1232);
  • Giuliano da Spira, Ofício rítmico e Vida segunda (cerca de 1235 e 1240);
  • Vida do Dialogus e Benignitas (cerca de 1246 e 1280);
  • Vidas Raymundina e Rigaldina (1293 e 1300);
  • Liber miraculorum (1369-1374);
  • Testemunhos menores sobre Santo António (séculos XIII-XIV).

O esquema biográfico retirado das fontes antigas tem uma estrutura que permanece praticamente inalterada a partir da Assidua e que se pode resumir com as palavras de Cláudio Leonardi:

A vida de António é disposta com clareza em três fases. O período português (teria nascido por volta do ano de 1195) aparece dedicado ao estudo e à procura espiritual e íntima de Deus e culmina na conversão ao franciscanismo (1220), devida não ao fascínio pessoal de Francisco, mas ao desejo do martírio, a partir do exemplo dos mártires franciscanos de Marrocos. O segundo período, situado entre o fracasso da viagem a Marrocos (1220) e a descoberta em Forlì do seu talento de evangelizador (1222), é uma época de silêncio, de simplicidade e de humildade, que culmina com uma mudança de condição, de meio-eremita a homem público. O terceiro período é o triunfo da sua pregação, que culmina no recolhimento dos últimos trinta dias em Camposampiero e por fim em Arcella, onde no leito da morte (13 de Junho de 1231) ousa dizer – é mesmo preciso dizer “ousa” – quase hereticamente: “Vejo o meu Senhor” (Assidua 17,12) e “Aquele santo óleo, com que me ungis, já o tenho dentro de mim”.

Assidua 17,14

A imagem de António que brilha como luz de fundo nestas três fases da vida é a de uma pessoa que fez uma profunda experiência mística de Deus, ciosamente por ele guardada como um segredo.

António deixou-se conduzir cegamente por aquele Deus que experimentou no seu íntimo. Percebe que não deve tomar iniciativas, nem a do martírio. Chega assim o momento de pregar aos outros, de comunicar o que aprendeu na contemplação, mas fá-lo por inspiração divina, quase que obrigado a falar e a deixar o sossego do eremitério para se dedicar inteiramente à pregação. Como acontece com os grandes místicos, “António está totalmente inserido na realidade do seu tempo, ele que estava completamente imerso na realidade divina”.

A pregação de António destinava-se à conversão dos cristãos, em conformidade com o projeto de reforma eclesial do IV Concílio de Latrão, de 1215, assumido pelo movimento franciscano. Não sabemos com exatidão em que língua pregava o Santo: nenhum estenógrafo guardou, por exemplo, o seu quaresmal paduano de 1231, mas podemos com certeza retirar dos seus escritos os temas em que fundamentava a sua pregação. A intenção era reconduzir os cristãos à coerência da fé, por isso convidava o povo e o clero à penitência e à conversão, fustigando os vícios e os desvios e insistindo de maneira particular sobre a necessidade da confissão sacramental. Alguns episódios das biografias, como a luta contra os usurários, são confirmados pelas páginas dos Sermões dedicadas a esta praga social, assim como a denúncia da vida corrompida dos prelados e religiosos.

4. Os Sermões

Santo António de Pádua, Pinacoteca dei Canonici, Pádua, foto Messaggero di Sant’Antonio | Deganello Giorgio, 1995.
Santo António de Pádua, Pinacoteca dei Canonici, Pádua, foto Messaggero di Sant’Antonio | Deganello Giorgio, 1995.

Graças ao testemunho concorde das primeiras biografias, a redação final dos Sermões Dominicais terá acontecido em Pádua: trata-se de 53 sermões, mais 4 para as festas marianas; a estes acrescentam-se 20 sermões festivos, num total de 77 sermões.

Discutiu-se muito sobre a época e os lugares onde os Sermões foram escritos. Hoje parece posta de lado a tese radical de Raoul Manselli, segundo a qual teriam sido compilados em Coimbra, quando António era ainda cónego regrante.

Quer pelos comprovantes externos, quer pelos relativos aos tempos litúrgicos, é claro que a redação dos sermões dominicais começou em 1224, com toda a probabilidade em Bolonha, e continuou até 1227, quando da França António regressou à Itália e ficou em Pádua. Aqui teria realizado a redação final.

A obra dos Evangelhos, como ele a chama, é fruto de um duplo trabalho do Santo: ao mesmo tempo académico e pastoral. Os Sermões não são uma coleção das pregações pronunciadas por António, mas constituem um repertório à disposição dos pregadores, onde fez confluir o material escolar das suas aulas de teologia aos frades e os temas principais das suas pregações ao povo. São, portanto, um trabalho de escritório que devia servir de manual para preparar os sermões que os irmãos deviam pregar diante da assembleia.

Conforme as palavras do Santo, ele quis construir “uma quadriga espiritual”, procurando combinar três elementos do Missal (introitos, epístolas e evangelhos) e a leitura bíblica do Breviário correspondente aos vários domingos e festas do ano litúrgico. Trata-se, portanto, de um guião para a pregação estreitamente ligada à liturgia.

A falta de sistematicidade é plenamente justificada pela índole oratória dos Sermões e ao mesmo tempo explica a razão pela qual a obra de António tenha caído num “rápido esquecimento”, quando, na segunda metade do século XIII, as exigências formativa das Ordens religiosas e dos estudos universitários exigiam “uma sólida categorização racional, adquirida no contacto com as obras aristotélicas, há pouco restituídas à fruição dos estudiosos latinos, e com a superior cultura cientifica árabe.

A transição da teologia agostiniana e monástica para a escolástica, marcou de forma irremediável o declínio da presença da obra de António dentro da Ordem franciscana”.

Só depois da proclamação de António como doutor da Igreja, em 1946, foram retomados os estudos e a análise dos seus escritos, sobretudo com a edição crítica do texto em latim (1979) e os vários congressos que se sucederam em Portugal e Itália, de 1981 aos nossos dias.

Justamente foi realçado que, entre todos os sermonários do século XIII, o de António apresenta-se com uma originalidade única, sendo totalmente embebido de seiva bíblica, com mais de 6000 citações, implícitas ou explícitas, da Sagrada Escritura.

A palavra revelada inspira todas as suas reflexões e, neste sentido, António é extremamente atual porque põe em primeiro lugar a Palavra de Deus.

Para além do primado da Palavra, nota-se nele a constante preocupação pastoral e sacramental e o hábito de concluir as várias partes do sermão com breves preces que sintetizam o fruto espiritual da exposição feita. Este estilo de lectio divina orante, articula-se num conjunto de passagens que mantêm uma grande atualidade.

Depois da renovação dos estudos bíblicos e da prática pastoral operada pelo Concílio Vaticano II, estamos em condições, hoje, de apreciar melhor a novidade e a atualidade do método e do pensamento de António. É um método muito diferente do histórico-crítico que domina a exegese científica do nosso tempo, mas talvez mais útil para ajudar o crente a penetrar o mistério da fé cristã.

5. Conclusão

Santo António, Bernardo Strozzi, sec. XVII, Museu Civico Ala Ponzone. Wikimedia Commons | foto Saiki, 2016
Santo António, Bernardo Strozzi, sec. XVII, Museu Civico Ala Ponzone. Wikimedia Commons | foto Saiki, 2016

Nada poderá substituir o fascínio de uma leitura direta do texto original dos Sermões ou da sua tradução em língua portuguesa, embora o primeiro impacto possa resultar difícil. Uma forma de ultrapassar essa dificuldade é lendo a excelente introdução aos Sermões na edição crítica do frei Henrique Pinto Rema que dedicou toda a sua vida ao Santo lusitano.

Se há uma mensagem que ecoa com força nos Sermões, é a do primado de Deus e da sua Palavra. É sobretudo disto que hoje precisamos e que António não se cansa de repetir em cada uma das suas página. Vícios e comportamentos morais desviados havia na idade média e há na nossa sociedade, mas a época moderna acrescentou uma dimensão dramática, a da “secularização” que D. Bonhoeffer descreveu profeticamente com estas palavras:

O movimento na direção da autonomia do homem (entendo com isto a descoberta das leis segundo as quais o mundo vive e se basta a si mesmo na ciência, na vida da sociedade e do estado, na arte, na ética e na religião), que tem início (não quero entrar na discussão sobre a data certa) no século XIII, alcançou no nosso tempo uma certa plenitude. O homem aprendeu a bastar-se a si mesmo em todas as questões importantes sem o auxílio da hipótese de trabalho: Deus.

O homem de hoje está só no mundo e vive convencido que “tudo funciona mesmo sem Deus”. Mas, vinda do século XIII, chega-nos a voz de António que continua a anunciar a presença de Deus e de Jesus Cristo “no centro da vida humana”. Ele fez uma experiência de Deus tão profunda que a mesma o marcou para sempre. Também os homens do nosso tempo precisam fazer uma genuína experiência pessoal de Deus: “o cristão do futuro será um místico ou deixará de existir”.

Neste sentido, António é mais do que nunca atual.

  • P. SABATIER, Vie de St. François d’Assise, Paris 1904
  • R. MANSELLI, Sant’Antonio e la prima predicazione francescana, “Il Santo” 8 (1969)
  • C. LEONARDI, L’Antonio delle biografie, in “Vite” e Vita di Antonio di Padova

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Foto da capa: Escadaria da Igreja de Santo António dos Olivais, Coimbra, local onde Fernando de Bulhões se tornou frade Franciscano e mudou de nome, passando a chamar-se António.

Bibliografia Completa:

  • ANTONINO POPPI, Introduzione ai Sermoni antoniani, in Antonio di Padova uomo evangelico
  • C. FRUGONI, Francesco e l’invenzione delle stimmate. Una storia per parole e per immagini fino a Bonaventura e Giotto, Einaudi, Torino 1993
  • C. LEONARDI, Il Vangelo di Francesco e la Bibbia di Antonio, in Le fonti e la teologia dei sermoni antoniani
  • C. LEONARDI, L’Antonio delle biografie, in «Vite» e Vita di Antonio di Padova
  • Costa, Sulla natura e cronologia dei Sermoni
  • D. BONHOEFFER, Resistenza e resa. Lettere e scritti dal carcere, Paoline, Cinisello Balsamo (Milano) 1988
  • Dizionario Antoniano, Messaggero, Padova 2002
  • K. ESSER, Gli scritti di San Francesco d’Assisi. Nuova edizione critica e versione italiana, Messaggero, Padova 1982
  • K. RAHNER, Sollecitudine per la Chiesa (Nuovi saggi VIII), Paoline, Roma 1982
  • P. SABATIER, Vie de St. François d’Assise, Paris 1904
  • POPPI. Introduzione ai Sermoni, cit., 65-66
  • R. MANSELLI, Nos qui cum eu fuimus. Contributo alla questione franciscana, Istituto storico dei Cappuccini, Roma 1980.
  • R. MANSELLI, Sant’Antonio e la prima predicazione francescana, «Il Santo» 8 (1969), 19.
  • R: MANSELLI, La coscienza minoritica di Antonio di Padova di fronte all’Europa del suo tempo, in Le fonti e la teologia dei sermoni antoniani, a cura di Ant. Poppi, Messaggero, Padova 1982, 29-35.
  • RIGON, Antonio di Padova e il minoritismo padano
  • S. GIEBIEN, La componente figurativa dell’immagine agiografica. L’iconografia di sant’Antonio nel secolo XIII, «Il Santo» 36 (1996)
  • S. GIEBIEN, Resoconto delle discussioni, in Gli studi francescani dal dopoguerra ad oggi, Atti del convegno di studio (Firenze, 5-7 novembre 1990), a cura di F. Santi, Centro italiano di studi sull’Alto Medioevo, Spoleto 1993
  • STANISLAO DA CAMPAGNOLA, Letteratura francescana e letteratura antoniana, in Storia e cultura a Padova nell’età di Sant’Antonio, Istituto per la storia ecclesiastica padovana, Padova 1985
  • V. VAUCHEZ, Conclusioni, in «Vite» e vita di Antonio di Padova, Atti del Convegno internazionale sulla agiografia antoniana (Padova 29 maggio – 1 giugno 1995), a cura di L. Bertazzo, Centro Studi Antoniani, Padova 1997

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