O milagre do riso: Santo António por Bordalo Pinheiro

Já aqui falámos do génio de Bordalo Pinheiro e da utilização que fez da imagem de Santo António para a crítica política e social do seu tempo.

Mas os desenhos de Bordalo Pinheiro e dos seus mais próximos colaboradores permitem-nos também compreender a importância e a presença que o santo tem na cultura portuguesa ao longo do tempo.

O modo como ilustra as festas de Santo António ou os “castigos” que infligem ao santo para que se cumpra o pedido ou se encontre amor tão desejado, são elementos retratados que se revelam inesperadamente atuais e ilustram gestos e rituais que nos são muito familiares.É disso exemplo o desenho de Celso Hermínio da família Procópio no regresso da praça da Figueira em Lisboa, na véspera de Santo António. As crianças traziam alegremente os apitos de barro em forma de corneta ou rouxinóis, que ensurdeciam os lisboetas durante o mês de junho, ou com o tradicional fogo preso, comprado com dinheiro arrecadado do “tostãozinho para o Santo António” que pediam junto dos tronos que erguiam nas soleiras das portas.

Os jovens compravam os balões para as marche ao flambeaux, as aportuguesadas marchas ao fulambó, que iluminavam as ruas dos bairros tradicionais com desfiles de rapazes e raparigas cantando até aos chafarizes para as sortes e descantes; o cravo de papel com quadra alusiva ao amor, a gaiola com o grilo e a alcachofra para queimar na fogueira e que se reverdecesse significava namoro certo; os vasos com manjericos e as alfazemas, resquícios das ervas aromáticas que eram queimadas nas fogueiras das festas populares quando se saltava à fogueira; a bilha ou os moringues de barro, tão ligados a Santo António e ao milagre da bilha.

São estes alguns dos aspetos que podemos encontrar na exposição temporária O Milagre do Riso. Santo António por Bordalo, patente ao público, de 23 de fevereiro até 22 de maio de 2022, no Museu de Lisboa – Santo António, e que caracterizam uma forma muito portuguesa de devoção a este santo tão especial

Desenho de Rafael Bordalo Pinheiro no primeiro número do jornal O António Maria.
Desenho de Rafael Bordalo Pinheiro no primeiro número do jornal O António Maria, 12 de junho de 1879, onde a queda do governo de Fontes Pereira de Melo é exposta com humor, fazendo uso das tradições populares associadas ao culto de Santo António. Fontes Pereira de Melo, no papel de “Santo António Maria” não atendendo aos desejos e devaneios de “Luiza, a bella pastora” (rei D. Luís), é mergulhado na água do poço e aí deixado de castigo até que respondesse ao seu pedido.

Foto da capa – Desenho de Celso Hermínio para o jornal A Paródia, de 4 de junho de 1902, caricaturando a festa de santo António na Praça da Figueira em Lisboa.

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