Sínodo da Amazónia: ouvir o grito do povo

O mundo amazónico pede à Igreja que seja sua aliada: esta é a alma do Documento de Trabalho (Instrumentum Laboris) para o Sínodo da Amazónia.

O Documento é fruto de um processo de escuta que teve início com a visita do Papa Francisco a Puerto Maldonado (Peru), em janeiro de 2018, prosseguiu com a consulta ao Povo de Deus em toda a região Amazónica e concluiu com a II Reunião do Conselho Pré-Sinodal, em maio passado. Pela sua importância para toda a Igreja, apresentamos de forma breve o extenso documento.

1 – Avança a experiência sinodal da Igreja

Na constituição apostólica Episcopalis Comunio, o Papa Francisco coloca o sínodo dos Bispos como “um dos legados mais preciosos do Concílio”.

Com esta visão, é natural que o Papa Francisco privilegie esta experiência milenar da igreja e procure que a visão sinodal faça parte do normal exercício do magistério. Porém, esta forma sinodal responsabiliza e envolve todo o povo dos batizados nas decisões orientadoras da Igreja. Nesse sentido, não pode deixar de ser significativa a transcrição do n. 12 da Lumen Gentium (Constituição Dogmática sobre a Igreja, do Concílio Vaticano II):

A totalidade dos fiéis que receberam a unção do Espírito Santo (cf. 1 Jo 2, 20 e 27), não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando este “desde os Bispos até ao último dos leigos fiéis”, manifesta consenso universal em matéria de fé e de costumes.

(Lumen Gentium, 12)

É por isso que o Instrumentum Laboris não pode ser dissociado do Documento Preparatório. A partir da metodologia indutiva (Ver, Julgar e Agir) o documento coloca três conjuntos de perguntas, cujas respostas serviram de base ao documento agora publicado. Síntese do sentir dos povos amazónicos, reflete como se vai construindo uma caminhada sinodal na Igreja.

2 – A voz da Amazónia

A vida e tudo o que a rodeia está na base de toda a proposta para o sínodo: a vida do território e dos seus povos, a vida da Igreja e a vida do planeta.

A água emerge como elemento estruturante das relações entre os povos congregados à volta do rio Amazonas e de todas as artérias que dão unidade a um conjunto de povos de 9 nações e de uma multiplicidade de culturas e experiências religiosas.

Da consulta feita sobressai o perigo de morte física e cultural da Amazónia: assassinato dos líderes defensores do povo, privatização dos bens da natureza incluindo a própria água, concessões a madeireiros legais e ilegais, caça e pesca predatórias, mega projetos hidroelétricos, concessões florestais, desmatamentos para mono culturas, estradas e caminhos de ferro, projetos mineiros e petrolíferos, contaminação ocasionada pelas indústrias extrativas, narcotráfico, problemas sociais como o alcoolismo, violência contra a mulher, trabalho sexual, tráfico de pessoas, perda da cultura originária e identidade (idiomas, práticas espirituais e costumes) e todas as condições de pobreza a que estão condenados os povos da Amazónia.

3 – Um tempo de graça

O Documento sublinha a abertura da esperança num tempo que é de graça, de Kairós.

Não é apenas para a Amazónia que o Sínodo se abre como luz de esperança, mas para toda a igreja e para toda a humanidade. Trata-se de uma oportunidade para que na espiritualidade dos povos originários se possa descobrir a presença encarnada e ativa de Deus: nas mais diferentes manifestações da criação; na espiritualidade dos povos originários; nas expressões de religiosidade popular; nas diferenciadas organizações populares que resistem aos grandes projetos; na proposta de uma economia sustentável e solidária que respeite a natureza.

Longe dos tempos de domínio colonial em que a Igreja, com frequência, estava do lado dos opressores, a Igreja apresenta-se como Igreja ao serviço dos pobres e dos povos. Nestas componentes há um fermento que pode ajudar a Igreja a caminhar por novos caminhos e a corrigir rotas antigas. Os povos da Amazónia são, deste modo, convidados a ser protagonistas das mudanças e não meros executores de projetos e programas.

4 – A ecologia como desafio e caminho

A segunda parte do documento salienta os atentados contra a Mãe Terra e contra os seus habitantes. O nosso tempo exige urgentemente uma conversão ecológica integral.

Por isso, a abordagem ecológica torna-se uma abordagem social, que deve ouvir o clamor dos pobres, conforme o n. 49 da Laudato Si’ (LS).

O Sínodo da Amazónia pode ser uma oportunidade para a Igreja experimentar na prática a Ecologia integral que foi anunciada na LS, mas tem tido muita dificuldade em se tornar presente como elemento de programação pastoral nas diferentes Igrejas particulares.

Igualmente este Sínodo pode ser uma forma concreta de inculturação da Igreja nas visões e experiências originárias de culturas e espiritualidades diferentes.

5 – A cidade, terra sem dono

A Amazónia está entre as regiões com maior mobilidade interna e internacional na América Latina. Os movimentos migratórios têm também dado a sua contribuição para a instabilidade social das comunidades amazónicas. Os centros de acolhimento das grandes cidades atendem muitas destas pessoas que se apresentam sem comida, sem alojamento, sem futuro. Muitos dos migrantes são indígenas forçados a abandonar as suas terras.

Qual o papel da Igreja diante de toda a problemática das cidades como “terra sem dono” inundadas de gente espoliada da sua vida? Como integrar o imigrante nas comunidades locais?

6 – Uma pastoral encarnada e viva

Vale a pena olhar com cuidado a síntese impressionante do anúncio do evangelho com a lógica da inculturação e das propostas inovadoras da Laudato Si’.

O texto não se perde em considerações teóricas, mas está cheio de propostas concretas em relação às migrações, à família, à cidade, à economia, à cultura, à valorização da medicina tradicional, etc. Como metodologia propõe: conhecimento da realidade, leitura crente dessa realidade e sugestões de conversão das pessoas e estruturas.

Por fim, o Documento avança com indicações práticas de renovação da própria Igreja diante da urgência de passar de uma pastoral de visita para uma pastoral de presença, através da criação de ministérios para os homens e as mulheres indígenas que levem a uma autêntica evangelização a partir da sua história, cultura e espiritualidade.

Estamos diante de um processo renovador que ajudará a igreja a repensar-se a partir da compreensão da vida e dos povos. A Igreja apresentar-se-á com o rosto novo de servidora e auxiliar na caminhada da Amazónia para a sua libertação.

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