O sonho é uma forma de comunicar com as realidades profundas, não fosse essa uma das formas que Deus escolheu e escolhe para comunicar connosco, como fez com S. José. O que sonhamos juntos? Como sonharmos juntos?
Porquê? Será por sermos seres de esperança? Talvez. Mas a ideia que merece consideração poderá ser, também, por sermos seres que sonham. O sonho não é somente o fruto de uma imaginação que dorme e quando acorda, lembra-se das coisas mais estranhas. Só se comunicarmos entre nós o que visionamos, é que poderá tornar-se realizável qualquer sonho comunitário, pois só sonhando juntos é possível realizar até o que parece impossível.
Em Sonhemos Juntos (Planeta, 2020), o Papa Francisco diz que — “A comunicação é muito mais que uma conexão, é muito mais frutuosa quando há vínculos de confiança: comunhão, fraternidade, presença física. (…) Nascemos para estar em contacto. E não somente em conexão”. — Assim, podemos sonhar juntos se estivermos em contacto (não conectados) uns com os outros. Daí a importância da presença recíproca na vivência das nossas comunidades.
Uma sociedade existe quando tem um objetivo comum. Uma comunidade existe quando tem uma vida comum. O caminho comunitário através do qual os contactos suscitam as comunicações que nos levam a sonharmos juntos, é uma peregrinação que se realiza todos os dias, independentemente de estarmos fisicamente juntos ou não.
Muitos de nós, todos os dias, saímos de casa. Se a vivência quotidiana fosse verdadeiramente comunitária, ao sair de casa para fazer seja o que for, somos convidados a nos reconhecermos como peregrinos da vida quotidiana.
O Papa Francisco no Epílogo do Sonhemos Juntos escreve que o peregrino é alguém que — “Sai de si mesmo, abre-se a um novo horizonte e, quando volta a casa, já não é o mesmo e, portanto, a sua casa também já não será a mesma”.
Cada pessoa com quem nos cruzamos ao longo do dia oferece-nos um momento de transformação pessoal subtil ou evidente, mas real. Saímos de casa para trabalhar, mas a verdade é que saímos de casa para nos deixarmos transformar pelos relacionamentos quotidianos que nos trazem à existência. Em países de guerra como na Ucrânia e agora, mais acentuadamente, na faixa de Gaza, sempre co-habitaram famílias de ambos os povos que nas notícias pensamos odiarem-se irremediavelmente.
Margaret Karram, atual Presidente do Movimento dos Focolares, é uma católica de origem palestiniana que na sua infância e juventude, sempre conviveu com famílias israelitas. Por isso, quando durante o Sínodo se pronunciou sobre o sucedido dizia — “Temos imagens coletivas destes dois povos que não correspondem à realidade”. — Terá sonhado com a paz impossível porque a realidade é o drama de guerra veiculado pelos media? Atribui-se a Cristóvão Colombo a frase que — “A vida tem mais imaginação do que a que levamos nos nossos sonhos”. — O que me faz pensar como a vida é tradução mais fiel e universal da possibilidade de sonharmos juntos.
O que sonhamos juntos pode variar mediante as nossas experiências peregrinas pela vida quotidiana. Uns sonham com uma Igreja mais aberta, enquanto outros receiam que Igreja perca com isso a sua identidade. Uns sonham com um mundo mais unido, enquanto outros receiam que o mundo perca com isso a sua diversidade (ainda que isso signifique confundir unidade com uniformidade).
Será que o possível conflito entre os nossos sonhos e os medos nos impede de ir mais longe no nosso caminhar? Vale-nos o contínuo ressoar do apelo de Jesus — “Não tenhais medo…” (Mt 10, 26) porque, na prática, existe uma pequena confusão: confundimos sonhos com projetos.
Aquilo que gera conflito de experiências são os projetos que uns pensam numa direção, enquanto outros pensam na direção oposta ou outros ainda pensam não haver direção possível. Nesses casos, o que podemos projetar juntos? Pouco ou nada. Mas o que podemos sonhar juntos? Tudo!
Do mesmo modo que a imaginação não limita os nossos sonhos, a vida (parece), mas não coloca limites ao que podemos sonhar juntos. Os relacionamentos de contacto que dão vida às nossas comunidades são uma das fontes mais criativas de sonhos que, por vezes, levam tempo a revelar-se e mais ainda a concretizar-se. E como muita da nossa vida se pauta pelos relógios, gradualmente esquecemos que a refeição mais saborosa é aquela em que o cozimento se prolonga para que a confluência de sabores encontre o equilíbrio que faz daquela refeição uma experiência única.
Diz-se que o futuro a Deus pertence, mas quando sonhamos juntos o futuro, será que Deus revela como não quer possuir o futuro, mas criar conosco o futuro impensável? Só precisa de corações abertos.

Foto da capa: “O futuro é melhor do que qualquer passado”. Teilhard de Chardin
Alunos da escola primária bilingue e binacional, frente ao portão do arco-íris, em Wahat al-Salam / Neve Shalom (Oásis de Paz, em árabe e hebraico).
Wahat al-Salam / Neve Shalom é uma aldeia de palestinianos e judeus dedicada a construir a justiça, a paz e a igualdade no país e na região. Situada equidistante de Jerusalém e Tel Aviv-Jaffa, a comunidade foi criada em 1970 pelo Frei Bruno Hussar O.P., em terras do Mosteiro de Latrun.
É um modelo de igualdade, respeito mútuo e parceria que desafia os padrões existentes de racismo e discriminação, promovendo a paz, a justiça e a reconciliação.
Fotos in https://photos.wasns.org, Selected Photos, Creative Commons, 2008 e 2010.