A propósito de um caminho

Já aqui várias vezes refleti sobre a importância da dinâmica sinodal que estamos a viver. Também eu estou plenamente convencido de que o caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja no terceiro milénio, como claramente tem afirmado o papa Francisco nas mais diversas ocasiões. Julgo mesmo que mais do que praticar a sinodalidade, o que já é algo de muito importante e necessário, a Igreja é chamada a ir mais longe, de modo que cada vez mais o seu ser e o seu agir tenham essa marca identitária.

Volto de novo a este tema no momento em que, entre nós, se vai concluindo a chamada fase diocesana deste caminho. Nas dioceses já se realizaram as chamadas assembleias pré-sinodais para a apresentação das sínteses, resultantes da escuta e reflexão desenvolvidas por um grande número de grupos que, das mais diversas maneiras, se foram organizando para esse fim. Nesta linha, julgo que não pode deixar de ser avaliada como muito positiva toda a dinâmica e participação no caminho sinodal.

Foram mesmo muitas as pessoas que se envolveram; foi mesmo um exercício de nos escutarmos uns aos outros e um exercício também de escutar e de olhar a realidade e a vida concreta das pessoas, tentando perceber aí os desafios que se levantam. Uma larga maioria dos envolvidos expressou também a vontade de que este caminho não fique por aqui. Parece-me, pois, justo reconhecer o muito de bom que a este nível aconteceu. Mesmo por causa disso, gostaria também a este nível de partilhar duas notas que me levantam interrogações e que me fazem pensar que este caminho ainda não está totalmente consolidado.

A primeira tem a ver com o nome dado às assembleias, que foram designadas de pré-sinodais. Confesso que não compreendo, pois o caminho sinodal foi formalmente iniciado em outubro de 2021, pelo que estas assembleias não podem deixar de ser assembleias sinodais. Porque reservar essa designação só para a assembleia a realizar em outubro de 23? Não será isso indicativo de que estas assembleias, apesar de serem reconhecidas como importantes, não são ainda vistas como exercício pleno de sinodalidade eclesial por não serem constituídas, na sua maioria, não tenhamos medo de o dizer, por cristãos ordenados?

Com a segunda nota manifesto a minha estranheza e preocupação pela decisão tomada pela maioria das dioceses, pelo menos assim parece, de não publicar os textos dos vários grupos que acabam por estar na base das sínteses diocesanas.

Se a decisão formal for mesmo esta, então julgo que esses diversos grupos deveriam dar a conhecer, pelos seus meios, o fruto do seu trabalho. Isso parece-me mesmo muito importante para podermos continuar a aprofundar a reflexão. Uma síntese diocesana, por mais perfeita que seja, jamais poderá dar conta da riqueza da reflexão desenvolvida, pelo que a não partilha dessa riqueza só poderá significar um empobrecimento. Se quisermos levar mesmo a sério o trabalho por todos desenvolvido, se acreditamos que o espírito soprou neste exercício, então não vejo como não partilhar essa riqueza.

Termina a fase diocesana, mas não termina o caminho sinodal

Dito isto, partilho ainda outras duas situações às quais me parece necessário prestar alguma atenção. O fim da fase diocesana não significa, em nada, o fim do caminho sinodal. Aliás, o que queremos mesmo fazer com este exercício é que, findo o processo formal deste sínodo, aquilo que nele aconteceu e se desenvolveu possa constituir a maneira ‘normal’ (ordinária), digamos assim, de ser Igreja e de agir como Igreja e em Igreja. Daqui decorre a importância de desenvolver maneiras criativas de continuar a caminhar sinodalmente. Termina a fase diocesana, mas não termina o caminho sinodal. A maneira como as diversas dioceses se organizarem a este nível não pode deixar de ser entendida como a maneira que levam à sério, ou não, esta realidade.

O Papa Francisco recebe os membros da Fundação Italiana de Autismo, 1 de abril de 2022. Foto EPA / Vatican Media.
O Papa Francisco recebe os membros da Fundação Italiana de Autismo, 1 de abril de 2022. Foto EPA / Vatican Media.

É tempo de começar a ousar respostas concretas

O sínodo ainda não acabou, mas nesta fase diocesana já fomos capazes de identificar alguns dos grandes desafios que se levantam às diversas dioceses. É, pois, o tempo de começar a ousar respostas concretas. Não podemos ficar pelas constatações, por mais importantes que elas sejam, e muitas foram-no mesmo. É urgente, é mesmo necessário, ensaiar os caminhos de renovação e conversão que foram identificados. Não me parece fazer grande sentido ficar à espera de qualquer orientação vinda da assembleia sinodal de Outubro de 23.

Certamente aí serão dados passos importante; certamente daí virão também indicações preciosas, mas, entretanto, não faz sentido ficarmos parados, isso seria um pouco a própria negação do caminho sinodal. Ou seja, o trabalho tem mesmo de continuar. O caminho sinodal realizado nas dioceses não pode, agora, ficar em suspenso, aguardando qualquer indicação que possa ser dada. Se quisermos mesmo levar a sério o que estamos a realizar, se acreditamos mesmo que esta é a maneira de ser e agir a que Deus nos convoca, então temos de ser coerentes com isso e temos de começar a responder já às interpelações do Espírito.

Este é um desafio que se levanta a todos, mas de um modo especial aos cristãos leigos, que não podem simultaneamente perceber o seu lugar de corresponsabilidade na Igreja e ficarem, depois, a aguardar que lhes seja dito o que devem ou podem fazer.

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